O advogado tributarista, associado ao escritório Artur B. F. Osti Advogados Associados, doutor
Marcus Vinicius Souza Lima, é o entrevistado da semana do Notícia Max, onde fala sobre questões como a cobrança do ISSQN por parte do município, as reclamações dos contribuintes no que se refere a cobrança desse imposto, e a chamada guerra fiscal.
Notícia Max - Na condição de advogado tributarista, qual a visão do senhor sobre a política tributária do município de Cuiabá, especificamente no que se refere a cobrança do ISSQN?
Marcus Vinicius Souza Lima - Não há dúvidas quanto a competência do município de Cuiabá, como qualquer outro, em realizar a cobrança do ISSQN, na medida em que, tanto a Constituição Federal, a Lei Complementar 116/2003 que estabelece regras gerais no que tange a cobrança do referido imposto, assim como o Código Tributário Nacional, assim dispõe quanto a legitimidade ativa do município nessa relação jurídica tributária.
A política tributária de Cuiabá está alinhada com a legislação federal no que tange aos serviços onde deve incidir a cobrança do imposto, contudo e não raro, o município ignora a regra de cobrança no tocante ao local do recolhimento do imposto. Isso porque, em muitos casos, o município acaba cobrando o imposto do contribuinte ainda que a prestação do serviço tenha se dado em localidade diversa.
Ou seja, tributa o serviço tão somente em decorrência da localidade do estabelecimento, ignorando as exceções quanto a localidade da prestação do serviço
Notícia Max - Quais são as reclamações mais constantes por parte do contribuinte no que se refere a cobrança do ISSQN?
Marcus Vinicius Souza Lima - São várias as reclamações por parte do contribuinte. As mais comuns são a dupla tributação e a falta de clareza na cobrança. Por exemplo, no que se refere a falta de clareza na cobrança por parte do município, é preciso que o ente compreenda que a cobrança vai além do envio do documento fiscal ou da notificação ao contribuinte.
Mais de 90% das empresas nacionais são compostas por pequenos empresários e microempreendedores, nem sempre detentores de conhecimento técnico na área de tributos. Ou seja, quando o contribuinte, por exemplo, recebe uma notificação fiscal, nem sempre compreende os termos ali empregados, tampouco as consequências de eventual inobservância de prazos. Acaba então buscando auxilio junto a própria Prefeitura que, no mais das vezes, tampouco possui quadro de pessoal capacitado ao atendimento da população.
Notícia Max - Quais as soluções jurídicas que vem sendo tomadas pelos Tribunais nestes casos?
Marcus Vinicius Souza Lima - Quando os tribunais se deparam com essas situações, a jurisprudência vem acolhendo muitos dos pedidos formulados em favor do contribuinte, na medida em que, apesar do contribuinte ter a obrigação de pagar, também incumbe ao Poder Público efetivar a cobrança do tributo dentro da legalidade e, sobretudo, da transparência.
Eventual inobservância desse dever pode, inclusive, caracterizar o crime de exação, que ocorre quando o ente sabe ou deveria saber que determinada cobrança fiscal não poderia ocorrer, mas mesmo assim a efetiva.
É importante que o contribuinte entenda que o seu direito de acesso a justiça é uma garantia fundamental contra eventuais ilegalidades que venham a ser cometidas, inclusive, na esfera tributária.
Notícia Max - Recentemente foi muito divulgado que plataformas digitais, como a Netflix, Spotify, e outras passariam a recolher ISSQN no âmbito dos municípios. Qual a visão do senhor sobre o assunto?
Marcus Vinicius Souza Lima - A postura do município, apesar de legítima, é controversa. A lei complementar 116/2003 que estabelece regras gerais no que tange a cobrança do referido imposto, em diversos pontos não acompanhou a evolução da sociedade. Para resolver esse tipo de situação e tentar modernizar a legislação, foi editada a Lei Complementar 157/2016, que inseriu no rol de serviços em que incide o ISSQN os de streaming, áudio, filmes e músicas como Netflix e Spotify.
Veja que a edição só ocorreu 13 anos após a promulgação da lei do ISSQN, o que significa dizer que sua aplicabilidade ainda está em fase de constante aperfeiçoamento .Apesar de haver previsão autorizando a cobrança, o município de Cuiabá terá que operacionalizar isso, ou seja, terá que descobrir e desenvolver mecanismos de cobrança do ISSQN sobre esses tipos de serviço, uma vez que tais empresas não possuem sede e nem filial no estado, consequentemente, não há inscrição estadual da pessoa jurídica para emissão da cobrança do ISS.
Notícia Max - Muito se fala em relação a guerra fiscal entre os Estados, isso ocorre também no âmbito municipal?
Marcus Vinicius Souza Lima - Com certeza. Caso típico é quando o município efetua a cobrança do ISSQN do contribuinte mesmo quando o mesmo já realizou o pagamento em favor de outro município onde efetivamente foi prestado o serviço. O termo guerra fiscal não diz respeito somente às situações de isenção de tributos, mas também sobre situações em que se discute a qual ente o pagamento deve ser realizado.
Muito se fala nos noticiários sobre a guerra fiscal entre Estados, esquecendo-se que enquanto o país conta com 26 Estados, de outro lado conta com mais de 5 mil municípios. Ou seja, a guerra fiscal entre os municípios possui efeitos muito maiores sobre a política tributária.
Existem ações judiciais nesse sentido que são de suma importância, como por exemplo, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.835 proposta no início de 2018 pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif), discutindo a cobrança do ISSQN.
O universo de discussão sobre o ISSQN é quase infinito, dado o alcance do imposto a nível nacional, o que faz com que diversos municípios também batam às portas do Judiciário em razão desse permanente conflito entre os entes.
Enquanto não houver a tão discutida reforma tributária, o país continuará a enfrentar guerras fiscais, seja em âmbito estadual ou municipal,travadas entre entes públicos visando a maior arrecadação em detrimento do contribuinte.
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