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POLÍCIA Segunda-feira, 25 de Março de 2019, 09:39 - A | A

Segunda-feira, 25 de Março de 2019, 09h:39 - A | A

PENITENCIÁRIA CENTRAL

Marcados para morrer

Redação

Jean Crizan/Notícia Max

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Celas trancadas, luzes apagadas, silêncio, coração acelerado, ansiedade, medo, pânico, calafrios, mãos suando e reza da esperança. Esse é o drama de presidiários que são colocados em um cômodo de um dos raios da Penitenciária Central do Estado (PCE), amarrados, “colocados como porcos” e agendado o dia e horário da morte.

 

Essas informações foram repassadas com exclusividade ao Notícia Max pelo advogado criminalista e especialista e pesquisador em Políticas de Segurança Pública e Direitos Humanos (UFMT), Ronei Duarte, que afirmou que há exatos três anos, quando iniciou sua pesquisa, detentos sofrem torturas e maus tratos até a morte por outros companheiros de cela no conhecido ‘Tribunal do Crime’, caso  novatos descumpram regras do ‘Código de Ética’ dos chefes dos raios por vontade própria, olhem mulheres dos parceiros ou simplesmente cumprem ordens dos chefes das organizações criminosas para se tornar um membro do Primeiro Comando da Capital (PCC) ou do Comando Vermelho (CV).

 

De acordo com a relação de óbitos dos detentos da PCE, de 2016 a 2019, 18 presidiários foram executados na unidade prisional.

 

Em 2016, segundo a relação foram 6 óbitos, porém, Cícero Júnior Oliveira Dias morreu de tuberculose. A primeira morte foi registrada no dia 9 de agosto e a vítima foi identificada como Everson da Costa Ribeiro, seguido de Júlio César Santa Rita Ribeiro no dia 20 de agosto e no dia 29 Luciano Anatalino do Nascimento. Em setembro, foi a vez de Antônio Xavier de Oliveira ser colocado e morto no Tribunal do Crime. Já no dia 18 de dezembro e 26 dezembro, a ata marcou as mortes de Maury Miguel da Silva e Jovanildo Aparecido da Silva, respectivamente.

 

Em 2017 foram 7 execuções. Rogério Luis dos Santos em 2 de maio, Eulle Gonçalves da Silva, 20 de julho, Amaro Manoel dos Santos Neto, 24 de julho, Joeldson Barreto Barbosa, 22 de outubro, Caio Gomes Ferreira, 1° de novembro, e Amaury Constantino Melo, 27 de dezembro.

 

Em 2018 foram 9 óbitos, mas Jesuíno Cândido da Cruz Júnior, 28, morreu durante um motim no dia 20 de março. Ele era traficante e membro do Comando Vermelho. Na época, membros da associação espalharam áudios nas redes sociais fazendo ameaças aos agentes que trabalharam na ação, já que o tiro na cabeça teria sido disparado por um dos agentes. Fábio Joilson Costa Siqueira, Gelson Rodrigues dos Santos e Nicodemos Moreira dos Reis Neto, morreram de tuberculose. Já executados foram Lucas Abrahão, 3 de janeiro, Ronaldo Almeida, 4 de fevereiro, Jordan Rafael Braz de Almeida, 13 de março, Edson Pedro Zarbolim, 28 de outubro e Adams Barros Pereira, 2 de dezembro.

 

Neste ano, um presidiário foi executado dentro da unidade. Fernando Magalhães da Costa, no dia 5 de janeiro. Já Luis Freidiano de Souza morreu no dia 6 de janeiro por meningite e Roosevelt da Silva Ervis morreu no dia 21 de janeiro por tuberculose.

 

Segundo o pesquisador, a maioria das mortes contabilizadas não são divulgadas pela Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos (Sejudh-MT), e quando são, por muitas vezes a causa da morte é colocada como causa desconhecida, “porque o Estado não quer investigar diante do trabalho que se dá, pois em um raio quando pouco, são 80 presidiários, e a vida do preso é avaliada como um nada”.

 

Jean Crizan/Notícia Max

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“As mortes são muito bem planejadas. Olhar pra esposa de um preso, passar perna em um colega, no julgamento já é considerado uma infração grave. Por isso, o cara é amarrado e colocado em um quarto, e torturado até a morte após as trancas das celas. E quando a família descobre a vítima, no caso é levada para outro raio. Muitos deles já foram encontrados rezando para não serem mortos. Pegos chorando e agradecendo pelo livramento. Já no caso de sair do presídio, acabam sendo mortos fora do presídio. Porque os coletivos criminosos são muito bem organizados, fazem conferência e a informação da saída é divulgada e o detento é executado”, pontuou. 

 

Na avaliação do pesquisador, as mortes diminuíram dentro da unidade por conta disso. Mas, em compensação fora dos presídios aumentaram. “Muitas vezes sai de manhã da cadeia e à tarde está morto. Neste caso, as próprias autoridades não investigam porque só o fato de ser ex-presidiário acaba justificando o homicídio”, disse o pesquisador.

 

Conforme Ronei, a pesquisa é realizada por conta própria, já que ele tem acesso a dados sigilosos e como pesquisador na área de Segurança, precisa entabular dados.

 

“O controle do Estado é precário. Temos 2.280 presos na PCE em uma unidade que a capacidade é pra pouco mais de 800. Então, se os detentos resolverem fazer uma rebelião o número de agentes é insuficiente para controlar a ação. Então para que o local não fique pior e aconteça um equilíbrio, os diretores fazem negociações dando privilégios aos presos para que o ambiente fique melhor aos servidores”, pontuou. 

 

CANTINAS

Outra situação que tem favorecido a não ter rebeliões e melhorado a aparência das unidades prisionais, na avaliação do pesquisador, que também é presidente do Conselho da Comunidade de Várzea Grande, é o funcionamento das cantinas, que dificultou a entrada de drogas e armas na unidade, apesar de drogas e celulares ainda continuarem sendo apreendidos.

 

Porém, com o funcionamento das cantinas o número de objetos que entram no local é limitado e, com isso, os presidiários acabam comprando alimentos no local. O valor arrecadado na cantina varia entre R$ 200 mil a R$ 400 mil mensal, que na verdade vai para o caixa da unidade e em situações de emergência, o dinheiro é liberado para obras que beneficiam tanto os presos quanto os servidores.

 

“Atribuição para os conselhos é atuarem como elemento de fiscalizados e não de fiscalização. A partir do momento que você coloca o governo para gerir um comércio dentro da unidade, já não é mais fiscal e sim fiscalizado. Acredito que é uma forma de gerir comércio e impedir de mostrar as coisas ilegais. E isso prejudica a sociedade”, falou. 

 

No entanto, o fato virou motivo de inquietação para quem convive e se relaciona com o Sistema Penitenciário de Mato Grosso. A ingerência das cantinas existentes dentro das unidades prisionais está em vias de ser extinta. Pelo menos é o que se espera a partir da Mensagem 27, enviada pelo governo de Mato Grosso à Assembleia Legislativa, com projeto de lei que pretende regulamentar a gestão dos espaços destinados à venda de produtos e objetos permitidos, datada de 19 de fevereiro.

 

 A medida responde a um pleito apresentado pela Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Mato Grosso (OAB-MT) à administração do Sistema, tendo em vista a série de reclamações e denúncias feitas à instituição dando conta de cobranças exorbitantes para aquisição dos produtos e a falta de transparência nos valores arrecadados.

 

“É como se fosse jogo de varetas. Na verdade se é legal ou irregular é o que sustenta o sistema. E se de fato alterar sem ouvir envolvidos, vai ter um reflexo negativo. Um fato, por exemplo, que ninguém divulga é que a cantina comprou as vacinas para imunizar a população carcerária que estava morrendo com meningite. Um enfermeiro assinou que não era a doença, mas o atestado de óbito confirmou que as mortes se deram por meningite”, lembrou. 

 

“O que precisa ser feito é transformar as unidades em unidades de verdade e separar os presos pelo grau de periculosidade. E ainda ter um ambiente para ressocialização, porque a pessoa entra desumana e precisa sair de lá de fato melhor do que entrou”, finalizou.

 

 OUTRO LADO

Morte em penitenciária

A Secretaria Adjunta de Administração Penitenciária esclarece que monitora todas as unidades prisionais do estado, especialmente a Penitenciária Central do Estado, em Cuiabá, justamente por esta abrigar um contingente maior de presos (2 mil presos). Todas as informações são avaliadas pelo setor de inteligência com vistas a evitar danos potenciais, sejam de natureza material ou em relação aos custodiados.

 

Quando há identificação de que um preso sofre ameaças, são tomadas providências para resguardar a integridade física do mesmo. 

 

Em relação ao preso que morreu na PCE, no mês de janeiro deste ano, a Polícia Civil foi acionada na ocasião para proceder com investigação sobre a ocorrência, assim como é em qualquer situação que envolva crime contra a vida.  

 

DECRETO CANTINAS

O objetivo da proposta do decreto é o Governo do Estado regulamentar e organizar o comércio de produtos permitidos por lei e que já existem dentro de algumas unidades penais de Mato Grosso. São produtos básicos, como alimentos e bebidas (não incluídas bebidas alcoólicas e produtos ilícitos) e que não são fornecidos pelo Estado, mas cuja venda encontra respaldo na Lei de Execuções Penais.

 

O modelo do decreto está em avaliação jurídica pela Procuradoria Geral do Estado e Casa Civil do Governo do Estado.

 

Quanto à alegação do Conselho da Comunidade de Várzea Grande, a proposta apresentada ao Governo foi elaborada pelo Grupo de Monitoramento e Fiscalização Carcerária do Tribunal de Justiça junto com representantes de entidades que fazem parte de conselhos da comunidade - conforme alinhado por estas instituições – PJ, MP, OAB, Defensoria e Conselho da Execução Penal da Capital. O texto em nenhum momento modifica a destinação do que é arrecadado pelas cantinas, cujo investimento deve ser prioritariamente revertido em serviços nas unidades prisionais.  

 

OUTRO LADO DO TJ

A responsabilidade pelas cantinas dentro das unidades penais é do Poder Executivo. Quando há algo para resolver nessa seara, são chamados os representantes do Poder Executivo.

 

A OAB, MP e Poder Judiciário apenas solicitaram ao Governo do Estado que editasse um decreto passando a administração das cantinas para o Conselho da Comunidade, que é um colegiado. Esse Conselho é formado pela pastoral carcerária, OAB, MP, Poder Judiciário, Secretaria de Segurança Pública e outros.

 

Cabe, portanto, ao Poder Executivo regulamentar estas questões, após ouvir o Conselho da Comunidade.

 

O Poder Judiciário apenas interpela em casos de irregularidade

 

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