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BRASIL Terça-feira, 12 de Novembro de 2019, 08:42 - A | A

Terça-feira, 12 de Novembro de 2019, 08h:42 - A | A

PRESIDENTE PSL

Luciano Bivar: 'Eu não conhecia o Bolsonaro'

EPOCA

Jorge William

LUCIANO

 

Luciano Bivar, deputado federal pernambucano de 74 anos, empresário e ex-presidente do Sport Club do Recife, joga tênis aos sábados e domingos. Em todo fim de semana, encontra o mesmo grupo de amigos ("o mais jovem tem 80 anos", brinca) e, depois da partida, faz o "set sentado" — uma rodada de cerveja e algum petisco.

 

Nas últimas semanas, porém, tem evitado a todo custo tocar em um assunto: Jair Bolsonaro , o homem que está prestes a se desfiliar do PSL , partido dirigido por Bivar.

 

“Se eu falava tanto (de uma pessoa), como eu vou dizer que agora é diferente, depois que passei dois anos desse jeito? Isso me deixa encabulado”, reconhece. "Estou lambendo uma ferida entristecida."

 

É uma questão de se comprometer com as “teses” que tinha. “Se eu falar o tempo todo que uma pessoa é minha melhor amiga, que ela é formidável, e depois tenho um problema e alguém me perguntar: cadê ela? Eu não vou dizer nunca o que aconteceu. Vou dizer: faz tempo que não a vejo. Vou falar mal dela? Se eu vivia falando bem, como vou falar mal?”.

 

Os colegas questionam por que ele não fala nada de política. “Eu digo que já passei a semana toda em Brasília, fico desconversando.”

 

O compromisso entre Luciano Bivar e Jair Bolsonaro foi firmado por escrito em 5 de janeiro de 2018.

 

O dirigente tem motivo de sobra para lembrar a data, já que enquadrou o documento e o mantém exposto na sede do PSL, um escritório recém-reformado, com dois andares, 525 m², 13 salas e 7 banheiros, alugado por R$ 47 mil ao mês. Ele pede a uma assessora que tire o quadro da parede e o traga à sala da presidência, onde deu entrevista a ÉPOCA.

 

“Pode ler em voz alta”, diz à reportagem. O título é “documento histórico”. Ele destaca a parte final: “Desta forma, e em consonância com os anseios da maioria dos brasileiros, serão um só, a partir de agora, os objetivos do Partido Social Liberal e os desejos de mudança do deputado Jair Bolsonaro.”

 

O texto foi redigido em Recife, em uma reunião com o advogado Gustavo Bebianno, o vice-presidente do PSL, Antonio Rueda, o hoje deputado Julian Lemos, o ex-deputado paranaense Fernando Francischini, Bivar e Bolsonaro. Mas o acordo não sacramentou a paz.

 

Como condição para se filiar, o futuro candidato queria mudar toda a composição do diretório nacional do partido.

 

'ELE NÃO PODE ESTUPRAR TODAS AS MINHAS PESSOAS'

Bivar negou, e formalizou a recusa em um e-mail. “Ele não podia estuprar todas as minhas pessoas, que já estão comigo há 20 anos.” O medo de Bolsonaro era ser vítima de uma espécie de golpe. “A grande preocupação dele era não ser indicado candidato. Existem milhões de fantasias, de que o PT daria R$ 200 milhões para (o PSL) não dar a candidatura para ele, e a única coisa que ele poderia fazer para ter certeza era fazer terra arrasada, trocar 100 membros e começar do zero.”

 

Bivar não queria que parecesse que ele estava “vendendo” o partido. “Não teve nada de fisiológico, ministérios, dinheiro. Amigos diziam que eu ia pegar a vice-presidência (da República). Eu dizia, pelo amor de Deus, vai parecer que estou vendendo o partido.”

 

O plano era se licenciar e deixar o partido nas mãos de Gustavo Bebianno, então homem de confiança de Bolsonaro. Se desfizesse o diretório, não poderia tomar de volta o PSL se algo desse errado nas eleições. “Só o diretório nacional era meu, que é soberano. Se amanhã eu quisesse destituir tudo, eu renunciava à minha licença e convocava uma assembleia. Minha assembleia era soberana para resolver tudo.”

 

Nos primeiros meses de governo, Bivar se satisfez ao averiguar que Paulo Guedes, ministro da Economia, pôs em prática medidas desestatizantes.

 

O deputado é autor de diversos livros em que propaga a ideologia liberal na economia, como “Burocratocia”, cujo objetivo é “desnudar esta nova modalidade de oligocracia”, a “exacerbação da burocracia”.

 

'RADICAIS DE DIREITA, CENTRO-DIREITA E OS ANTI-LULA'

Nos anos 1980, viajou a Cuba e escreveu um livro sobre como a ilha se distanciava da utopia propalada pelos comunistas. Surpreendeu-se com a realidade que viu lá — cita como exemplo uma jovem que conheceu que não sabia quem era Federico Fellini, o cineasta italiano. Seu livro foi um sucesso na direita, garante.

 

Durante a campanha, garantiu a seus amigos que o liberalismo econômico seria a linha de Bolsonaro, e não teve que engolir sapo. “Passei 20 anos querendo achar que o liberalismo é o melhor e querendo ver o momento de a gente alcançar o poder. Eram três pilares: radicais de direita, centro-direita e os anti-Lula. Todos se juntaram.” Desse caldeirão que elegeu o presidente, também saiu uma bancada de 53 deputados federais, com o direito de o PSL usufruir de R$ 8 milhões ao mês de fundo partidário.

 

A crise no PSL foi a tempestade perfeita. A deputada Alê Silva (MG) quer sair do partido após acusar o ministro do Turismo, o também mineiro Marcelo Álvaro Antônio, de a ameaçar. Bibo Nunes (RS) é rachado com o dirigente local do PSL em seu estado. Carla Zambelli (SP) é inimiga de Joice Hasselmann, candidata preferencial de Bivar à Prefeitura de São Paulo em 2020.

 

Aliados de Bivar são favoráveis ao uso do fundo eleitoral nas eleições municipais e até de um possível aumento de seu valor, hoje previsto em R$ 2,5 bilhões, enquanto outros preferem jogar no campo em que foram eleitos: as redes sociais.

 

Os advogados do presidente, Karina Kufa e Admar Gonzaga, veem com maus olhos o fato de o PSL ter uma receita milionária, sem que o próprio presidente da República tenha clareza de como esse dinheiro é gasto. Os dois últimos deram aos deputados o que eles queriam: um motivo para sair.

 

Bivar, Bolsonaro e Karina Kufa, na época advogada do próprio PSL, se encontraram em agosto deste ano. Ela apresentou uma empresa para fazer o serviço ao preço de R$ 2 milhões ao ano. “O próprio presidente falou: esquece esse negócio de compliance, o mais importante é ter uma pessoa séria.” Não se falou mais nisso. Um mês depois, Bivar viu o presidente ir à porta do Palácio da Alvorada e dizer a um apoiador que o pernambucano estava “queimado para caramba”.

 

SE SENTE TRAÍDO? 'NÃO. SÓ FICO TRISTE.'

O único contato posterior que recebeu do Palácio de Planalto foi do ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, para dar fim a uma guerra de listas na disputa pela liderança do PSL na Câmara. Não foi procurado por Bolsonaro, e tampouco buscou o presidente para conversar. O contato com os auxiliares de governo também cessou. “O ministro que ligar para mim no outro dia está frito.”

 

“Eu estou muito triste”, admite. “Só posso ficar entristecido. Não tenho raiva, mágoa, sentimento indiferente. Ingratidão é quando você dá alguma coisa pensando no que vai receber. Mas eu não. O que eu fiz, foi por mim. Por ideologia e pelo meu sentimento. Não sei se cabe esse sentimento de ingratidão, porque eu não fiz por mim, mas pelo meu país. Decepção? Eu não conheço o Bolsonaro."

 

"Talvez eu tivesse decepção se fosse um cara muito próximo a mim, há 40 anos. Aí eu teria uma decepção, mas eu não conhecia Bolsonaro. Como ele também não me conhece. A gente só se conhece publicamente. Só um psicólogo pode dizer qual é o termo exato. Eu só fico triste.” Se sente traído? “Não. Só fico triste.”

 

Bivar lista os sacrifícios que fez em nome de Bolsonaro — o primeiro deles foi impedir que seu próprio filho, Sérgio Bivar, presidisse o Livres, movimento de renovação política.

 

“Sérgio me pediu para ser presidente do Livres, mas eu disse que isso seria uma agressão ao meu candidato. O Livres é contra ele. Todos estavam muito enfurecidos comigo. Aí, Sérgio me perguntou se eu deixava ele sair da campanha. Eu permiti, mas pedi para ele não se desfiliar para não refletir no meu candidato à presidência. Ele só se ausentou da campanha e o pessoal do Livres saiu todo”, afirmou.

 

Ele também se comprometeu para cumprir uma promessa de Bolsonaro, a de que o presidente iria dedicar suas sobras de campanha, R$ 1,4 milhão, à Santa Casa de Juiz de Fora (MG), hospital que o atendeu depois de levar uma facada durante a campanha.

 

'OS TOLOS ACHAM, TALVEZ, QUE O DINHEIRO TRAZ FELICIDADE'

Consultado, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) disse que isso não seria permitido por lei. No ano seguinte, já eleito deputado federal, o pernambucano destinou esse valor exato em emendas ao centro hospitalar, para que o presidente mantivesse a palavra.

 

E por que, então o presidente rompeu relações com ele? “Os tolos acham, talvez, que o dinheiro traz felicidade. Mas eu acho que o dinheiro tem muito um quê de maldição. Eu não ligo para isso, as pessoas que ligam muito, brigam com família, com pai, com mãe, com mulher, com amigos. Não sei se esse fundo partidário pode ser a razão de ser dos comportamentos. Eu não tenho nenhum problema, eu quero é paz.”

 

Ele compara Karina Kufa a Rasputin, o místico russo que se aproximou da família do czar Nicolau II logo antes de o monarca russo ser assassinado, no início do séc. 20.

 

Dias após ser exposto publicamente pelo presidente da República, Bivar foi alvo de um mandado de busca e apreensão da Polícia Federal em sua casa.

 

A OPERAÇÃO DA POLÍCIA FEDERAL

Na realidade, na casa de sua esposa. “Na minha idade, já me dou o luxo de ter minhas individualidades. Moro no 12º andar e minha mulher no 13°andar. São apartamentos isolados.”

 

Ele foi avisado da busca com uma ligação dela às 6h da manhã. A polícia só tinha um mandado para o 13º andar, mas o presidente do PSL permitiu que entrassem em sua casa. “Se eu não fizesse aquilo, viria outra busca e apreensão. O objetivo qual era? Denegrir a minha imagem.”

 

O motivo desse desejo de denegrir sua imagem, segundo Bivar, são “interesses com que me preocupo muito”. “Se você desgasta a imagem do presidente, você enfraquece o partido. E é fácil você fazer algumas alterações estruturais no partido, já que o presidente é um cara que não merece nenhuma credibilidade”, um “facínora”.

 

Ele diz que os policiais foram gentis e estavam “muito constrangidos”. “Eu entreguei ali meu celular e meu iPad. Tinha minhas senhas todas, das minhas coisas lá do estrangeiro.”

 

Bivar foi alvo da Operação Guinhol, que cumpriu nove mandados autorizados pelo Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco (TRE-PE). A ação atendeu a pedido do Ministério Público Eleitoral, que investiga o uso de candidaturas-laranjas no partido nas eleições de 2018.

 

Além dos endereços dele, a PF também fez buscas nas casas de Maria de Lourdes Paixão, Érika Santos e Mariana Nunes, e em gráficas, com o objetivo de descobrir se houve fraude ao recursos das candidaturas de mulheres, que precisam ter pelo menos 30% dos valores do fundo eleitoral em suas campanhas.

 

INDÍCIOS DE DESVIOS

A PF acredita haver indícios de que os valores foram desviados das candidaturas, o que Bivar nega.

 

Não é a única denúncia que ele enfrenta. Segundo a Folha de S.Paulo, o PSL paga mensalmente R$ 940 a uma firma de que Bivar é sócio, a Gerencial Brasitec, pelo aluguel de um imóvel.

 

Nos anos anteriores, o partido alugava um escritório da Mitra Participações, empresa que hoje está em seu nome, mas já esteve no de Cristiano Bivar, filho que classifica como “meio hippie” e apaixonado pelo trabalho como músico.

 

“Tudo que ele tem, ele gasta no estúdio, investe naquilo”, conta. Há mais de uma década, ele deu uma Ferrari de presente para o filho. “Dei a ele para ele para ver se ele encontrava uma menina jovem e bonita”, diz, brincando. “Eu estava nos Estados Unidos e me ligou e disse que, como ele morava pertinho do estúdio, tinha vendido a Ferrari e comprado uma bicicleta. E o dinheiro? Tinha usado para comprar equipamentos.”

 

Cristiano, o caçula, e seus dois irmãos, Sérgio e Luciano compõem o diretório nacional do PSL. A presença do trio na cúpula da legenda é um dos incômodos ao grupo de Jair Bolsonaro, já que Bivar detém maioria dos 153 membros do diretório.

 

Apesar de filiado ao partido, Cristiano não atua nas empresas do pai. São Sérgio e Luciano Bivar que ajudam o pai a administrar a Excelsior, firma de seguros que comprou nos anos 1980.

 

A empresa de Cristiano, porém, recebeu R$ 250 mil do PSL em 2018 para produzir filmes publicitários para os candidatos do partido. Bivar diz que é um valor equivalente ao que o filho cobrava para prestar esse serviço para outros políticos.

 

O Ministério Público de Pernambuco investiga o partido pelo gasto. “Foi um dos erros que cometi, quando não imaginei que ele pudesse ficar em evidência”, admite o deputado.

 

TRATAMENTO DE SAÚDE NOS EUA

Com uma empresa familiar rentável, seis mandatos como presidente do Sport, 11 livros publicados e mais de duas décadas à frente de um partido, Bivar não tem intenção de se reeleger deputado federal.

 

“Se eu pudesse hoje estar jogando tênis todos os dias, seria tudo que eu quero”, admite. “Não aguento mais ser deputado. Eu só aguento hoje porque sou da Mesa (Diretora da Câmara). Eu não aguento todo dia estar lá no plenário, votando.” O deputado tem 46 faltas justificadas neste ano.

 

Parte das ausências ocorreu em setembro, quando foi fazer um tratamento de saúde nos Estados Unidos. Ele tem uma obstrução na artéria coronária e, por isso, já “deixa algumas bolas caírem” no tênis.

 

Considera, porém, que “a melhor doença que tem é a de coração”. Se, com câncer, o paciente se torna moribundo, nas doenças cardíacas, “se acontecer alguma coisa, puft”. “A minha sintomatologia é ótima. É assintomático, melhor dizendo.” Sob medicação, ele prevê uma cirurgia se não melhorar em dois meses. “Isso é inexorável. O tempo chega e não tem volta.”

 

“Não tenho mais idade para isso (ser deputado). Mas não penso em abandonar a política. Sou muito feliz. Passei 20 anos achando que o liberalismo é o melhor, e veio o momento de a gente alcançar o poder.” Além de seguir como presidente do PSL — garante que não vai renunciar, como já fez no Sport —, não vai abrir mão da carreira de escritor.

 

Já está “rabiscando” um novo livro, um romance com base em documentos reais de sua carreira política, como o e-mail que enviou para Bolsonaro dizendo que não abriria mão de controlar a composição do diretório nacional. O prazer da escrita, para ele, é insubstituível. “Quando você acha a palavra certa, é como marcar um gol.”

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