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INTERNACIONAL Sábado, 08 de Fevereiro de 2020, 10:38 - A | A

Sábado, 08 de Fevereiro de 2020, 10h:38 - A | A

DEBATE

Irlanda vai às urnas sob expectativa de avanço do nacionalismo; Brexit reacende debate sobre unificação

G1

A eleição deste sábado (8) na Irlanda é a terceira desde o dramático colapso financeiro de 2008 e, sob muitos aspectos, ainda ocorre sob os reflexos do impacto político provocado pelo pacote de ajuda financeira do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da União Europeia (UE), aprovado em 2010.

 

Phil Noble/Reuters

Policial e agente eleitoral

 

A eleição de 2011 provocou a derrocada e quase extinção da até então hegemônica legenda centrista Fianna Fáil (FF), que tinha saído como maior partido em todas as eleições parlamentares desde os anos 1930.

 

Seu lugar foi ocupado pelo Fine Gael (FG), de centro-direita, cujos cinco anos de governo foram marcados pela austeridade. Isso acabou em perdas eleitorais para o FG no pleito seguinte, em 2016, e a uma recuperação modesta do FF.

 

Tal eleição levou a algo inédito na Irlanda: um acordo no qual, em troca de concessões políticas, o FF se absteve de importantes votações parlamentares, permitindo que o FG governasse com apoio de um pequeno grupo de legisladores sem partido.

 

O acordo deveria durar apenas dois anos e meio, mas durou quase quatro, só por causa do Brexit. O elefante na sala era uma possível fronteira dura com a Irlanda do Norte.

 

Brexit à parte, a Irlanda enfrenta sérios problemas domésticos. A construção de moradias parou durante a crise financeira, levando a preços recordes de imóveis e de aluguéis, além de recorde de desabrigados (quase 10 mil estavam sem lar permanente em dezembro de 2019).

 

Ao mesmo tempo, o setor de saúde da Irlanda está em crise: dezembro de 2019 também registrou um recorde histórico de superlotação hospitalar, com novos registros de pacientes aguardando tratamento em macas em vez de obterem um leito permanente.

 

A qualquer momento do dia, existem dezenas de pacientes nas enfermarias de emergência dos hospitais irlandeses deitados em macas por mais de 24 horas, aguardando admissão.

 

É nesse cenário que o partido nacionalista Sinn Féin consegue tomar a liderança nas pesquisas. Uma sondagem nacional divulgada no início desta semana deu ao partido uma margem de 25% dos votos, contra 23% para Fianna Fáil e 20% para o governista Fine Gael.

 

"Os outros dois [partidos] arruinaram tudo", disse um eleitor à DW em uma rua de Tallaght, um importante subúrbio de Dublin. "Por que não dar chance a um outro?"

 

Em certo sentido, isso não é surpreendente. Pesquisas após pesquisas confirmam que há um evidente anseio de "mudança" e uma onda de insatisfação com o governo do primeiro-ministro Leo Varadkar, do FG. Os eleitores buscam alternativas.

 

O Sinn Féin adotou com entusiasmo uma plataforma socialmente liberal, perdendo alguns apoiadores conservadores, mas conquistando muito mais através de suas posições sobre o casamento gay e o aborto (uma postura que, diante da oposição do Partido Unionista Democrático, contribuiu para os três anos de suspensão do governo de compartilhamento de poder da Irlanda do Norte). Isso, por sua vez, fez com que a opção se tornasse mais atraente para os eleitores de esquerda.

 

O próprio Brexit também pode ter se tornado a tempestade perfeita para ajudar o Sinn Féin: não apenas travou os dois maiores partidos dentro de um casamento problemático prolongado, mas também fez com que a perspectiva de uma Irlanda unida pareça muito menos remota. Os eleitores da Irlanda do Norte escolheram pela permanência na UE no referendo de 2016, mas agora estão fora do bloco europeu de qualquer maneira.

 

Diante da escolha entre dois lados – o Reino Unido ou a UE – muitos ao norte da fronteira escolheriam a unidade com a Irlanda. Unidade é a razão de ser do Sinn Féin; já compartilhando o poder em Belfast, o partido promete realizar um referendo de unidade dentro de cinco anos se ganhar o controle em Dublin.

 

O apetite eleitoral da república por uma extensa reintegração, entretanto, não chega a ser tão estridente. "Como pagaríamos por isso?", questiona um eleitor à DW.

 

"O Sinn Féin está prometendo todos esses cortes de impostos agora, mas o que acontece se retomarmos o Norte? Custa bilhões de libras à Inglaterra manter esse lugar já em funcionamento. Não temos esse dinheiro."

 

A difícil história da Irlanda do Norte continua sendo um fator complicador para o Sinn Féin, no entanto. A liderança de Mary Lou McDonald, uma dublinense que substituiu o líder veterano de Belfast, Gerry Adams, em 2018, promoveu uma reformulação no partido e ajudou a abandonar o rótulo anterior de ser "a ala política do Exército Republicano Irlandês (IRA)", antigo grupo paramilitar formado por nacionalistas católicos.

 

Mas a ressaca da violência paramilitar permanece; eleitores mais velhos, com lembranças mais vivas da violência na Irlanda do Norte, relutam mais em perdoar as justificativas do Sinn Féin para o IRA, as quais são citadas pelos dois partidos historicamente maiores como base para excluí-lo de qualquer coalizão.

 

O partido também enfrenta acusações de mudar de posição para se adaptar ao humor do público. Se disse a favor do apoio da UE à proteção dos interesses da Irlanda do Norte após o Brexit, mas se opôs a cada um dos tratados anteriores da UE e fez campanha contra eles em referendos.

 

Agora, saúda a chegada de empresas estrangeiras na Irlanda (uma vez taxadas adequadamente), mas anteriormente exigia um aumento em sua generosa taxa de imposto corporativo de 12,5%. Foi um defensor do referendo sobre o aborto de 2018, mas somente depois de seus membros votarem para mudar sua política três vezes nos quatro anos anteriores.

 

Ironicamente, sua ascensão meteórica surpreendeu a própria legenda, que tem apenas 42 candidatos para preencher os 160 assentos parlamentares da Irlanda, e seu sucesso às custas de outros partidos de esquerda pode tornar impossível a construção de uma bancada governista.

 

Seja como for, o Sinn Féin está agora preparado para reformular a dinâmica política da Irlanda e se instalar como um terceiro grande partido no que historicamente tem sido um sistema de dois partidos. Sua representação parlamentar pode ser menor do que reflete sua popularidade, mas pode ser suficiente para forçar seu caminho rumo a uma coalizão, apesar dos protestos dos partidos do establishment.

 

Seja no governo ou na oposição, 2020 será a eleição que verá o Sinn Féin fundamentalmente quebrar os moldes da política irlandesa.

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