O governo de São Paulo lançou um edital nesta terça-feira (22) para a contratação de 12 mil novas câmeras corporais para a Polícia Militar. Segundo o documento, a gravação de vídeos pelo equipamento deverá ser realizada de forma intencional, ou seja, o policial será responsável pela escolha de gravar ou não uma ocorrência.
Atualmente, há 10.125 câmeras em operação no estado que foram compradas por meio de dois contratos, e as gravações são divididas em duas categorias: de rotina e intencionais. Todas elas serão substituídas pelos novos equipamentos e 2 mil novas serão compradas.
Os vídeos de rotina registram todo o turno do policial e são obtidos sem o acionamento, portanto gravam de forma ininterrupta. Os PMs não têm autonomia para escolher o que desejam registrar. As imagens ficam arquivadas por 90 dias no sistema do Centro de Operações da Polícia Militar (Copom) e, para reduzir os custos, a resolução delas é menor e sem o som ambiente.
Já os vídeos intencionais são obtidos pelo acionamento proposital do policial e ficam guardados por um ano. Elas também possuem som ambiente e resolução superior às gravações de rotina.
No novo edital, não há menção as gravações rotineiras, somente as intencionais. O documento também informa que o acionamento para captura de imagens poderá ser feito de forma remota pelo Copom ou pelo próprio policial. Além disso, os vídeos serão transmitidos ao vivo (live streaming) pela internet para a central da corporação.
Questionada sobre a mudança, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) afirmou que "as avaliações apontaram a maior incidência de problemas de autonomia de bateria nos equipamentos de gravação ininterrupta, bem como a elevação dos custos de armazenamento, vez que parte expressiva do material captado não é aproveitada. Tais condições inviabilizavam a expansão do sistema" (veja nota completa abaixo).
Confira alguns requisitos definidos pelo governo:
- o início e o término da gravação serão realizados por acionamento do PM, local ou remotamente, ou em caso de esgotamento de bateria;
- ao iniciar a gravação, o vídeo gravado no equipamento deverá retroagir 90 segundos, incluindo sua faixa de áudio no mesmo intervalo de tempo;
- encerrado o vídeo intencional, a câmera deverá voltar automaticamente ao modo de espera;
- o vídeo intencional deve conter faixa de áudio;
- a câmera deverá suportar no mínimo 12 horas de operação em condições de gravação local, porém conectada a plataforma.
Mais tecnologia
A gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) alega que o equipamento será mais moderno e tecnológico do que está em uso.
Entre as novas funções que estão na especificação técnica do contrato destaca-se a integração do equipamento com o Programa Muralha Paulista, com capacidade para identificação de foragidos e placas de veículos roubados ou furtados.
O governo ainda diz que haverá a possibilidade de compartilhar os registros de áudio e vídeo automaticamente com o Ministério Público, o Poder Judiciário e demais órgãos de controle, seguindo as regras estabelecidas pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
Os novos equipamentos também terão ferramenta de áudio bidirecional, permitindo a comunicação entre os policiais de rua e do Copom.
"As câmeras permitirão que eles solicitem apoio durante as ações. Devido à transmissão ao vivo, o Centro de Operações da Polícia Militar (Copom) também poderá acionar outras equipes de apoio quando achar necessário, antes mesmo que os policiais precisem solicitar".
Armazenamento
Em abril, em resposta a ação da Defensoria Pública de São Paulo no Supremo Tribunal Federal (STF), o governo se comprometeu a utilizar câmeras corporais em operações policiais no estado e apresentou cronograma que estabelece implementação até setembro de 2024.
No acordo enviado ao STF, a gestão estadual definiu que os vídeos intencionais deveriam ser armazenados por 120 dias, enquanto os rotineiros por 30 dias.
Entretanto, no novo edital lançado nesta quarta-feira, ficou estabelecido que as imagens podem ser deletadas do sistema após o prazo de 30 dias - diferente do que foi acordado com o STF.
Críticas
Uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas com a USP, divulgada em 2023, já demonstrou que os batalhões da PM paulista com câmeras corporais tiveram uma redução de 57% no número de mortes decorrentes de intervenção policial, e a efetividade do trabalho da polícia não foi reduzida.
O pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP, Daniel Edler, vê com preocupação o lançamento do edital em razão da falta de clareza sobre as formas de gravação das câmeras corporais, que pode afetar a fiscalização do trabalho dos policiais e os casos de violência durante abordagens.
"Quando a câmera não tem a discricionariedade do policial, ou seja, quando ela grava todo o turno, ela tem uma redução muito grande do uso da força. E isso dá por vários motivos: pelo policial de fato atuar dentro da legalidade, mas também pela pessoa que está sendo filmada não escalar uma situação, não agredir o policial [...] Quando você só tem a gravação a partir da discricionariedade do policial, os estudos mostram o impacto é muito reduzido", afirma Edler.
Na avaliação do pesquisador, o novo edital "mostra uma clara intenção da polícia de transformar a câmera enquanto um equipamento de fiscalização da ação policial em mais um equipamento operacional. A polícia, o Tarcísio e o Derrite falavam que era importante somar funcionalidades a câmera para ela ajudar mais o trabalho policial. O que eles estão fazendo não é somar funcionalidades, é substituir funcionalidades".
Compra de câmeras
De acordo com a Secretaria da Segurança Pública, a expectativa é a de que a licitação gere uma economia entre 30% a 50% para o tesouro estadual em relação ao contrato anterior.
"Se antes cada câmera custava cerca de R$ 1 mil, com o novo edital para a compra dos equipamentos, o valor deve cair para R$ 500", diz a SSP.
O que diz a SSP
"O edital lançado nesta quarta-feira (22) foi estruturado a partir de estudos técnicos e da análise da experiência do uso da tecnologia por forças de segurança em outros países. As avaliações apontaram a maior incidência de problemas de autonomia de bateria nos equipamentos de gravação ininterrupta, bem como a elevação dos custos de armazenamento, vez que parte expressiva do material captado não é aproveitada. Tais condições inviabilizavam a expansão do sistema.
Deste modo, a Pasta optou por um modelo de câmera com acionamento manual e remoto, ampliando as funcionalidades em relação ao equipamento anterior. Ao despachar uma ocorrência ou ser notificada por uma equipe, o Copom terá condições de verificar se o equipamento foi acionado ou não pelo policial. Caso negativo, o dispositivo é acionado remotamente pela central de operações da PM. O acionamento seguirá rígidas regras estabelecidas pela corporação a fim de garantir a gestão operacional e a eficiência do sistema. O policial que não cumprir o protocolo será responsabilizado.
Todas as imagens captadas por meio dos equipamentos poderão ser acessadas de forma imediata e também ficarão armazenadas em um data center da Polícia Militar por tempo indeterminado. Atualmente, 10.125 câmeras corporais estão disponíveis, as quais permitem cobrir 52% do trabalho operacional no Estado. Com o novo edital, além de manter a cobertura atual e aperfeiçoar a tecnologia, haverá uma expansão de 18%, permitindo atender também outros comandos de policiamento".
Mudanças de discurso
O secretário da Segurança Pública de São Paulo (SSP), Guilherme Derrite, disse no dia 10 de maio, durante coletiva, que o uso das câmeras corporais nas fardas dos policiais militares é positivo tanto para a corporação quanto para os cidadãos.
"Eu mesmo na época da campanha questionei a utilização das câmeras e sua eficácia e eu pude acompanhar que ela pode ser utilizada pra outras funcionalidades e isso pode ser muito bom não só para o policial, como para a população".
A fala representa uma mudança no discurso do secretário, que historicamente se colocou contrário ao equipamento. Há menos de dois meses, em agenda pública, ele chegou a repetir o que sempre sustentou como parlamentar - que as câmeras "inibiam" o trabalho da polícia.
O governo de SP tem esvaziado os investimentos no Programa Olho Vivo, desenvolvido pela gestão João Doria, e elogiado por especialistas na área justamente por evitar mortes e reduzir a letalidade policial.
Histórico
A implantação do programa de acoplar câmeras aos uniformes de policiais militares, batizado de "Olho Vivo", começou em São Paulo em julho de 2020, com 30 aparelhos.
Em fevereiro de 2023, pouco depois de o atual governador Tarcísio de Freitas assumir o cargo, a PM paulista já tinha 10.125 câmeras à disposição.
No início do governo, Tarcísio, que se posicionou contrário às câmeras durante a campanha de 2022, chegou a dizer que estudava ampliar o programa.
Em outubro, o governador decidiu tirar R$ 15 milhões da verba destinada ao programa, um corte de cerca de 10% do valor total. Na época, a Secretaria de Segurança Pública (SSP-SP) alegou queda na arrecadação como justificativa.
Em setembro, uma ação civil pública pediu que a Justiça obrigasse o governo de São Paulo a instalar câmeras corporais nos policiais militares e civis que atuam na Operação Escudo, na Baixada Santista.
A Justiça de São Paulo chegou a atender o pedido da Defensoria Pública do Estado e do Ministério Público (MP-SP), mas a liminar foi suspensa no dia seguinte.
O caso foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF) em dezembro do ano passado. Em março, o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, deu prazo de 10 dias para que o estado de São Paulo se manifestasse diante de uma ação da Defensoria Pública, que pede o uso de câmeras corporais nas fardas da Polícia Militar.
O uso do equipamento nos uniformes da PM em SP evitou 104 mortes, segundo levantamento da FGV em dezembro de 2022 e a letalidade dos policiais em serviço foi a menor da história no ano passado, de acordo com um estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) em parceria com a Unicef divulgado em maio de 2023.
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