Quatro anos separam a primeira fase da maior operação policial sobre venda de decisões judiciais do Brasil, a Faroeste, na Bahia, do assassinato do advogado Roberto Zampieri em Cuiabá, pivô de um escândalo similar que chegou até o STJ (Superior Tribunal de Justiça).
Apesar do intervalo temporal, ambos os casos se conectam por elos com um mesmo advogado —que fez delação premiada— e por estarem ligados a disputas de terra em polos agropecuários.
Vanderlei Chilante, delator na Faroeste, era o representante da família de Aníbal Manoel Laurindo em uma disputa de terras desde, pelo menos, 2003.
Aníbal é suspeito de ser o mandante do assassinato de Zampieri, morto dentro do carro, com dez tiros, em frente ao seu escritório na capital mato-grossense.
No celular da vítima, a polícia encontrou mensagens que apontaram suspeitas de pagamentos de propina a um desembargador do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJ-MT) e de relações com um lobista que negociava decisões com gabinetes do STJ. Esse mesmo lobista é alvo de outro inquérito que levou ao afastamento de magistrados de Mato Grosso do Sul.
A polícia indiciou Aníbal com base em telefonemas e em um depósito feito a um dos executores do crime —que ele justifica ter sido para participação em uma reunião com parlamentares bolsonaristas em Brasília.
Mas, além disso, ele disputava terras na região de Paranatinga (MT) com um cliente de Zampieri e vinha lançando suspeitas sobre a relação do advogado com o desembargador Sebastião de Moraes Filho, relator dos processos no TJ-MT e mais tarde foi afastado do tribunal pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
Segundo a Polícia Civil, uma decisão de Sebastião contrária aos interesses do produtor rural “foi o ‘estopim’ para a concretização dos planos que já vinham sendo montados pelos suspeitos Aníbal e sua esposa, que decidiram matar a vítima Roberto Zampieri”.
Chilante, o advogado que liga os casos da Bahia e de Mato Grosso, fez um pedido de liminar em favor de Aníbal na disputa de terras em que dava o valor da causa de R$ 5,9 milhões. Ele continuou advogando para o produtor rural nessas disputas depois da morte de Zampieri.
O defensor tinha como cliente outro produtor rural de Mato Grosso, Nelson Vigolo, da empresa Bom Jesus Agropecuária, e ambos firmaram delação premiada no âmbito da operação Faroeste, que mirou a venda de decisões judiciais no Tribunal de Justiça da Bahia.
Só nos últimos meses, duas desembargadores do estado se tornaram rés (uma delas pela segunda vez) em razão das investigações, juízes do sul do estado foram afastados sob suspeita de irregularidades em questão fundiária e um magistrado da região oeste disse sofrer ameaças por julgar casos relacionados a grilagem.
Em 2021, Chilante, que não é suspeito nos casos de Mato Grosso, foi denunciado pelo Ministério Público da Bahia sob acusação dos crimes de lavagem de dinheiro e corrupção.
Segundo essa denúncia, teriam sido negociados pagamentos de R$ 1 milhão a um juiz baiano para que ele se declarasse suspeito e não decidisse de forma desfavorável em processos de interesse da Bom Jesus Agropecuária.
À época, a empresa estava em disputas contra o grupo de Adailton Maturino, que ficou conhecido como “falso cônsul”, e também é acusado de comprar decisões judiciais de magistrados da Bahia. A região em que foi concentrada a briga é a divisa baiana com o Piauí e Tocantins.
A Bom Jesus entrou em recuperação judicial, na qual atuou a empresa de gestão patrimonial Fource. Segundo a empresa, havia R$ 2,6 bilhões em dívidas.
Os sócios da Fource, Valdoir Slapak e Haroldo Augusto, Filho aparecem nas conversas com Zampieri. O CNJ aponta suspeitas de que houve vantagens indevidas concedidas ao filho do desembargador Sebastião, que teria atendido o advogado em um recurso.
No dia 7 de novembro, aponta o documento, Valdoir procurou Zampieri para acertar valores, e o advogado disse que teve que pagar R$ 200 mil “ao filho do velho”.
Atualmente, todas as investigações que envolvem o caso de Zampieri e as suspeitas de vendas de decisão judicial tramitam no STF (Supremo Tribunal Federal), sob relatoria do ministro Cristiano Zanin. Já a Faroeste está sob responsabilidade do STJ.
Procurado por meio de seu escritório, Vanderlei Chilante não se manifestou.
O advogado de Aníbal Manoel Laurindo, Carlos José de Campos, disse que o processo de seu cliente está sob sigilo e que não iria comentar.
Em nota divulgada quando as mensagens foram reveladas, os sócios da Fource disseram que “repudiam avaliações precipitadas com base em mensagens descontextualizadas”.
Eles afirmam que “nunca foram parte nos processos discutidos na ocasião e mantinham acompanhamento deles tão somente para avaliação como meio de investimento em aquisição de ativos estressados”.
“[Os sócios] não contrataram o advogado Roberto Zampieri para atuar nas causas em questão e nunca tiveram qualquer contato com o filho do desembargador envolvido ou mesmo com o próprio magistrado.”
Nelson Vigolo não foi encontrado pela reportagem.
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