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INTERNACIONAL Sexta-feira, 09 de Novembro de 2018, 15:04 - A | A

Sexta-feira, 09 de Novembro de 2018, 15h:04 - A | A

SEGREDOS DO ESPAÇO

Oumuamua, o asteroide visitante

Cássio Barbosa, G1

Foto: JPL/Nasa

 

Então, essa semana nós ficamos sabendo que a Terra teria sido visitada por uma nave espacial alienígena. Dois eminentes astrônomos de Harvard anunciaram em um artigo científico que o asteroide 1I/2017 U1, mais conhecido como Oumuamua (mensageiro, em língua nativa havaiana) que passou a 30 milhões de km da Terra e atualmente está deixando o Sistema Solar não era um asteroide, mas sim uma nave espacial. Um artefato alienígena capaz de viajar pelo espaço movido pelo empurrão da luz das estrelas.

 

O rebuliço causado por essa revelação foi intenso, e ainda continua reverberando, mas será que é isso mesmo? Porque está publicado então é isso mesmo?

 

Vem comigo que eu explico.

 

O asteroide Oumuamua foi descoberto em 2017 por Robert Weryk  usando o observatório PANSTARS em Haleakala, Havaí. Esse observatório faz parte da rede de monitoramento do céu que cataloga asteroides buscando aqueles possam trazer algum risco de colisão. Depois de descoberto, um alerta foi enviado à vários pesquisadores cadastrados na rede de com alguns elementos de sua órbita já conhecidos. Foi aí que se percebeu que tinha algo, digamos, diferente nele.

 

 

Ele vinha muito rápido, com uma velocidade em torno de 110 mil km/h. Também vinha de uma direção pouco comum para os asteroides. Ele entrou fazendo um ângulo de quase 90 graus com o plano da eclíptica, o plano onde se alinham as órbitas dos planetas. Juntando as duas informações, ficou evidente que a origem do objeto não poderia ser a Nuvem de Oort, o reservatório de cometas de longo período do Sistema Solar. Outro fato que ajudava nessa certeza de sua origem era o fato de que ele não exibia uma cauda como os cometas. Um asteroide quase não tem água ou materiais voláteis, ao contrário dos objetos de vêm da Nuvem de Oort, ou mesmo do Cinturão de Kuiper, o reservatório de cometas de curto período. Ou seja, ele teria mesmo que vir de fora do nosso sistema planetário.

 

Essa sempre foi uma possibilidade muito aguardada pelos astrônomos. Receber e estudar um objeto vindo de outro sistema estelar. O problema é que a gente não estava preparado para tão ilustre visitante. Só conseguimos estudá-lo daqui da Terra mesmo. Ou com o Hubble, o que dá quase na mesma. Ainda não temos capacidade de resposta tão rápida (e talvez de tecnologia também) a ponto de lançar uma sonda para ao menos passar a poucos quilômetros do asteroide para estuda-lo em detalhes. Mas com nossos equipamentos conseguimos alguns resultados interessantes.

 

Por exemplo: sabemos que os milhões de anos vagando pelo espaço sendo bombardeado por raios cósmicos o deixaram com uma crosta avermelhada. Sabemos também que ele é alongado como um charuto, a proporção comprimento/largura é algo como 10 para 1, ou seja, ele é 10x mais comprido do que largo. Outra coisa é sua rotação bizarra. Ele gira no sentido do seu comprimento além de rodar para o lado. Esse é um comportamento típico de objeto que tenha sofrido uma colisão. Mesmo tendo passado a apenas 30 milhões de km, um quinto da distância Sol-Terra, não pudemos ver nenhum detalhe de sua superfície, mas estudos cuidadosos das imagens não mostraram nenhuma emissão de gás ou mesmo poeira, mostrando que o bicho não poderia ser cometa mesmo.

 

Mas a treta começou por outros motivos.

 

Sempre que se tentava observar o Oumumua, os cálculos de suas coordenadas nunca batiam com sua posição no céu; ele sempre estava mais adiantado. Quando um objeto entra no Sistema Solar ele é acelerado pela gravidade do Sol, e, ao passar pelo periélio, a menor distância entre o objeto e o Sol, ele pega o caminho de saída do sistema. Aí o papel da gravidade é o de desacelerar o objeto. Sua velocidade vai caindo gradativamente até que o cometa ou o asteroide volte para o espaço profundo, em geral, com a mesma velocidade com que entrou.

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Só que com o Oumuamua a história está diferente: ele sempre está mais adiantado que o esperado, ou seja, ele vai mais rápido do que o previsto. Isso significa que ou ele não está desacelerando de acordo com a teoria, ou tem alguma coisa acelerando-o. Como a primeira opção é impossível, pois a gravidade de Newton já foi testada e aprovada em escalas muito maiores do que o Sistema Solar, tem que ser a segunda opção.

 

De fato, alguns fatores podem mesmo ser responsáveis por dar um empurrão em objetos no espaço. Por exemplo, jatos de gás podem empurrar e até fazer o núcleo de um cometa girar. A própria luz do Sol pode empurrar um objeto no espaço. Quando a luz (ou qualquer radiação) atinge um objeto, ela o empurra levemente — mas levemente mesmo: é a chamada pressão de radiação. Só que, no espaço, esse leve empurrão pode ser percebido ao longo do tempo e faz mesmo os objetos desviarem de seu comportamento esperado.

 

Veja o caso do recém-aposentado telescópio espacial Kepler: quando uma de suas rodas de inércia pifou definitivamente, o que daria um fim ao seu sistema de posicionamento, a Nasa conseguiu dar uma sobrevida a ele usando apenas 2 rodas e a luz do Sol para mantê-lo na posição desejada. A pressão da luz solar conseguia manter o Kepler estável, sempre apontado na direção desejada com um leve, mas contínuo, empurrão solar.

 

Isso tudo foi levado em conta na história do Oumuamua, mas ainda assim as contas nunca fechavam. Nesta hora é que entram Shmuel Bialy e Abraham Loeb, do Centro de Astrofísica de Harvard.

 

Segundo a dupla, Oumuamua é um artefato construído por seres de outro sistema estelar para cruzar o espaço aproveitando a luz das estrelas para empurrá-lo, ou seja, um clássico veleiro estelar! Bialy e Loeb passam o artigo inteiro discutindo a origem da tal da aceleração “anômala” e que tipo de objeto natural poderia aproveitar tão bem esse empurrãozinho. Somente na conclusão do trabalho é que eles sugerem que só um objeto construído e mandado deliberadamente para o espaço na rota observada para o Oumuamua poderia se encaixar nas características observadas.

 

Depois de ler o artigo, eu fiquei com a certeza de que, se eu tivesse escrito aquilo, nunca seria publicado. Eu ou qualquer outro astrônomo de um país menos influente, por assim dizer, que os EUA. Bialy e Loeb, apesar de computar o efeito do empurrão da luz solar, esqueceram de computar o efeito do aquecimento dela. É bem sabido que o Sol esquenta a face do objeto que está virado para ele e quando gira fazendo a parte quente ficar na sombra, essa face emite o calor de volta para o espaço. Isso também gera um impulso leve no objeto. Pequeno, mas suficiente para alterar uma órbita ao longo do tempo. Esse efeito é chamado de efeito Yarkovsky. Ele é bem complicado de se calcular, pois exige que saibamos os coeficientes de absorção (e de emissão) do objeto, a área iluminada, a massa total do objeto e suas dimensões, entre outras coisas, mas é algo real e mensurável.

 

Esqueceram também que isso já foi observado antes nas sondas Pioneer e Voyager. O caso ficou conhecido como a gravidade anômala da Pioneer 11, que insistia em estar à frente de sua posição esperada, tal qual Oumuamua. Esse é um problema que sempre atiçou minha curiosidade e procurei muita coisa a respeito. Li um trabalho recentemente que dizia que a melhor explicação estava realmente no efeito Yarkovsky, mas que era impossível calculá-lo com precisão. Cada parte das naves tem um formato e composição diferentes, absorvendo e emitindo calor de forma diferente, sem mencionar o calor que se propaga para dentro da nave. É simplesmente impossível modelar e calcular a contribuição de cada peça. Veja que ninguém quis usar isso para dizer que era um raio trator alienígena puxando as naves para as profundezas do espaço.

 

Eu não sou um estraga prazer ranheta que fica reclamando do trabalho dos outros. Eu adoraria que o Oumuamua fosse mesmo um artefato construído para estudar a galáxia e tivesse passado por aqui — mas como dizia Carl Sagan: “afirmações extraordinárias requerem evidências extraordinárias” e neste caso está tudo muito fraco. O objeto foi monitorado também em rádio para saber se havia alguma emissão suspeita e nada, até o limite da radiação emitida por um aparelho de celular, nada foi detectado. Na boa, tá difícil de engolir.

 

E então por que a dupla de Harvard fez um negócio desses?

 

Bom, difícil dizer. Alguns cientistas gostam de causar tumulto no meio acadêmico com a intenção de começar ou incendiar uma discussão. Isso não é de todo ruim, mas às vezes pode dar um rebu que em nada ajuda no progresso da ideia, tipo agora.

 

Tem outra coisa tão importante quanto o efeito Yarkovsky que ninguém está levando em consideração. Loeb é o presidente do conselho consultivo e diretor de teoria científica do Breakthrough Initiatives, bem como da Fundação que confere um prêmio de mesmo nome. E o que isso tem a ver? Quase nada: essa iniciativa envolve um bilionário russo e teve até mesmo Stephen Hawking em seus quadros e uma de suas iniciativas é justamente construir uma frota de veleiros estelares aproveitando a luz do Sol e um laser de alta potência emitido da Terra para chegar em Alfa Centauri em 25-30 anos. Coincidência, né?

 

Depois de tudo isso, me vem à cabeça aquela peça de Shakespeare: “Muito barulho por nada”. Não concorda?

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