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21 de Abril de 2025

OPINIÃO Quarta-feira, 16 de Abril de 2025, 10:24 - A | A

Quarta-feira, 16 de Abril de 2025, 10h:24 - A | A

WELLEN CANDIDO

O que ninguém lhe contou sobre a série adolescência

O assunto mais comentado dos últimos 20 dias é a série adolescência

WELLEN CANDIDO

O assunto mais comentado dos últimos 20 dias é a série adolescência. Ouso abordar uma reflexão ainda não comentada e que engloba o contexto da trama como um todo. O distanciamento dos pais com o garoto Jamie é evidente e creio que este ponto da discussão, já foi amplamente debatido nas redes sociais, podcasts e veículos de comunicação. É neste enredo que prossigo com a seguinte indagação: Por que os pais de Jamie não conseguiram evitar um final trágico para o garoto?

Muito além da ausência de conexão emocional e de uma educação tradicional, há um fator que antecede tudo isso. Não serei clichê em demonizar os pais que certamente não foram adeptos de uma educação consciente para com o garoto Jamie, muito ao contrário, entendo perfeitamente a razão dos mesmos não conhecerem seu filho, nem o que se passava na vida dele. Entendo o porquê eles erraram na educação com Jamie e mais, onde surgiu este erro!

Só podemos conhecer o outro, quando conhecemos a nós mesmos. Quando olhamos para dentro de nós, quando enxergamos nossas dores, quando ocupamos um lugar de consciência é que somos capazes de enxergar o outro. A criança ou adolescente revestida de filho, coloca-se à nossa frente, todos os dias. Esta criança externa só é verdadeiramente amada, quando amamos primeiro, a criança interior que habita em nós. A criança que um dia fomos, como bem relatou Carl Jung.

Temos a tendência de reproduzir os comportamentos que para nós, são familiares. Criamos nossos filhos com base na educação que recebemos de nossos pais e só conseguimos nos libertar destas memórias transgeracionais, em uma jornada de autoconhecimento. Certamente você deve estar se perguntando onde quero chegar. E já lhe respondo: É o trauma!

Sim é ele o grande vilão de toda a série. Foi o trauma que conduziu as escolhas de todos os envolvidos na trama. Quando Stephen Porges desenvolveu a teoria polivagal, pontuou que uma das consequências do trauma é o congelamento. Este aspecto de “congelamento traumático”, inclui lapsos e distorções de memórias, resultando como um mecanismo de defesa do cérebro frente ao evento traumático. A negação do garoto Jamie, não era tão somente, uma simples estratégia de defesa, ou seja, um réu que desejava se livrar do crime. Este comportamento, tem grandes indícios de uma amnésia resultante de uma memória subcortical (inconsciente).

É por estas razões que o trauma já havia “visitado” a casa de Jamie, com uma família totalmente “dissociada”. Onde os pais, totalmente fragmentados em sua própria história traumática, não eram capazes de enxergar as necessidades do garoto Jamie. E isso acontece por uma razão simples, o trauma possui “circuitarias neurais próprias”, o que Robert Scaer define como “cápsulas dissociativas”. É como se você vivesse em um corpo, sem estar nele!

O interesse do garoto Jamie por grupos secretos com práticas preconceituosas, refletem um “falso pertencimento” a um grupo que em “tese entende sua dor”. Na verdade, estes grupos também estão refletindo a própria dor. Só fere o outro, quem já está ferido antes. Estão a reproduzir tamanha disfuncionalidade social que provavelmente, presenciaram em algum momento, de suas vidas. É neste víeis do trauma por repetição, descrito por Van Der Kolk, que estamos sempre voltando no lugar de antes, no lugar do trauma e depois reproduzindo-o em diante.

As experiências adversas na infância (EAIs), influenciam no comportamento e na saúde mental dos indivíduos na fase adulta. Isso significa que os abusos e negligencia emocional vivenciados na infância, poderão contribuir com comportamentos disfuncionais no futuro. As pesquisas baseadas, em experimentos reais, da Dra Nadine Harris confirmam que o trauma de infância é o grande protagonista dos males da humanidade. O comportamento da vitima Katie para com o garoto Jamie, no que tange a ridicularização do mesmo, esconde um evento traumático que passou despercebido.

Crianças que foram criadas por pais pouco afetuosos (apego inseguro evitativo), tendem a reproduzir este comportamento, na adolescência ou vida adulta, excluindo outras pessoas de seu convívio, como pontua Van Der Kolk. Isso nos leva a uma reflexão propagada por Gabor Maté: “Somos todos traumatizados.” Em algum momento, seremos “capturados” pelo trauma. Ele está em todos os lugares. E por fim, nada pior que um ambiente escolar totalmente distante das práticas sócio emocionais, onde a escola mais se parecia como uma prisão que tinha como prática “domesticar corpos”, do que um lugar de acolhimento. Este adestramento de corpos já rechaçado por Foucault, no campo sociológico, só reforça que o trauma é a grande epidemia oculta.

Wellen Candido Lopes é neuropesquisadora com diversas formações na área do trauma. Idealizadora da Turma do Cerebrin – @turmadocerebrin – www.turmadocerebrin.com.br

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