O AVC (acidente vascular cerebral) poderia ter acabado com uma vida de corridas e maratonas, mas serviu para Stella Mesquita se reinventar. Aos 74 anos, a moradora de Copacabana passou a nadar em piscinas mas, como conta ao ge, encontrou no mar um novo lar. Em um intervalo de uma semana, ela fez percursos de 16km em Ilha Grande e 5km no Rainha do Mar.
Disputas esportivas sempre fizeram parte da vida de Stella Regina de Mesquita, que praticava natação na adolescência, mas ficou longe do esporte por 55 anos. Nesse intervalo de tempo, ela passou a correr e disputar as primeiras maratonas do Rio de Janeiro. Um AVC a deixou acamada e com paralisia no lado direito do corpo. O treino saiu da pista da Lagoa Rodrigo de Freitas para a piscina olímpica do Jockey Club, na Zona Sul do Rio. Inspirada por um treinador, Stella foi para o mar em fevereiro de 2022 e não saiu mais de lá.
No dia 2 dezembro de 2023, foram 10h15min na ultramaratona de Ilha Grande, a primeira da vida de Stella. Após os 16km, foram oito dias de treino e descanso até a disputa do Rainha do Mar, em Copacabana, com mais 5km em 2h30min – seu melhor tempo até hoje. Stella estava acostumada com percursos de 4km. Ela brincava com o treinador, Renato Ribeiro, sobre nadar a ultramaratona. Em abril, a brincadeira virou um desafio, e ela topou disputar a prova, que seria em novembro.
- Foi cansativo. No inverno, frio, chovendo, eu estava lá. A gente, quando tem um propósito, enfrenta qualquer coisa. Eu fiz uma travessia Copacabana-Itaipu. Era uma travessia assim, de brincadeira, de lazer. Todo mundo se divertindo, nada de competição. Eu nunca tinha nadado mais de 4km. Eu fui e acabei nadando 7km e 300m – disse Stella.
"Se estiver difícil, vamos tornar fácil. Se der vontade de parar, vamos continuar"
Renato é o braço direito de Stella nas provas e também na preparação. Após quase um ano inteiro de treinamentos para a ultramaratona, ela admitiu um cansaço em outubro. O treinador percebeu e decidiu preparar um desafio.
- Ele chegou pra mim e disse: "Sábado nós vamos fazer um simulado. Vamos entrar nesse veleiro lá na Baía de Guanabara e vamos fazer 10 km”. Meu Deus do céu! Socorro! Tomei coragem. A gente quando confia no técnico é outra coisa. Saltei do veleiro quando chegou no Leme e aí comecei a nadar. Nós fomos até o Mirante do Leblon e voltamos até o Arpoador, o que deu 10 km. Me deu uma segurança danada. Eu fiz em 4h30min.
O treinador da Equipe Navegantes conta sobre a relação criada com Stella em menos de dois anos de trabalho. De mudança de alimentação à frases de inspiração, os dois são conectados pelo mar.
- Foi uma relação de filho e mãe, avó e neto, aonde ela tinha que me falar e mandar foto dos pratos de comigo, pq ela começou a ter dificuldade de se alimentar como deveria para a prova, tinha que ganhar peso, ganhar massa muscular, ganhar força e resistência. Todos os dias além do mar a gente trocava mensagens até a noite, virou uma rotina de só não se falar na hora de dormir - disse Renato.
Todos os caminhos e todas as braçadas levaram à Ilha Grande. A prova, que seria disputada em novembro, foi adiada por condições climáticas e aconteceu no dia 2 de dezembro. Nos últimos 3,5km, Stella cogitou parar, mas Renato teve a sabedoria de colocar um nadador ao lado da atleta. Durante a prova, o atleta tem direito a ter um nadador pace ao seu lado durante uma hora. Quem ficou com Stella foi Ivan Nogueira Jr, o Dr. Ivan, ultramaratonista aquático.
- Já pensou se eu desisto com 3,5km? Eu ia me arrepender pro resto da vida. Eu só falei que estava começando a sofrer, mas eu não falei muito sério. Ele (Renato) resolveu que era hora de entrar o nadador pace.
Após os 16km em Ilha Grande, Stella deve sete dias de preparação até o Rainha do Mar. Por conta do adiamento da prova, ela não nadaria em Copacabana, mas a inscrição já estaria feita. Perto de casa, tudo pago e já na areia... pra que não nadar?
- Eu estava com medo. Achei que uma semana não seria o suficiente para me recuperar, mas eu tinha me inscrito. Fui para dar uma força para o pessoal e acabei nadando. Nadei e fiz o meu melhor tempo dos 5km. Eu ia nadar 2,5km mais pela alegria, pela farra, por estar com as pessoas. Eu estava inteira, aí continuei mesmo com o mar bem agitado, completei e me senti bem em 2h30min.
Os dois filhos e cinco netos vibram com as conquistas, mas também ficam preocupados. Stella conta que, antes da prova de Ilha Grande, uma neta ligou da Holanda para alertar a avó. Ciente dos riscos, ela nada com coragem rumo a mais um Rainha do Mar no próximo ano.
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