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INTERNACIONAL Segunda-feira, 10 de Março de 2025, 08:34 - A | A

Segunda-feira, 10 de Março de 2025, 08h:34 - A | A

Ofensiva contra imigrantes

Pastores brasileiros nos EUA se dividem entre apoio a Trump e temor por fiéis

Lideranças evangélicas contratam advogados e orientam frequentadores sobre blitze anti-imigrantes

BBC News

No culto do último dia 16 de fevereiro, o pastor Paulo Tenório subiu ao púlpito da igreja pentecostal brasileira The Growing Church, em Massachusetts, nos Estados Unidos, e pregou sobre "o medo que leva ao esconderijo".

"Quando os soldados de Israel viram que a situação era difícil, esconderam-se em cavernas e buracos", lia o pastor, junto aos fiéis, um trecho da Bíblia, acrescentando: "É hora de declarar que o Deus que me trouxe aos Estados Unidos me levará até o final".

O recado para os brasileiros presentes era a necessidade de "seguir firme" em tempos de medo.

"As medidas de [Donald] Trump trouxeram muito abalo para as pessoas. Uma coisa muito difícil está sendo vivida aqui,", diz Tenório à BBC News Brasil, sobre o endurecimento da política de imigração do novo governo americano.

Massachusetts abriga junto com a Flórida a maioria das 2 milhões de pessoas que fazem parte da comunidade brasileira nos EUA.

Donald Trump se elegeu prometendo a maior deportação da história do país, que tem cerca de 12 milhões de imigrantes em situação irregular — há ao menos 230 mil brasileiros entre eles, de acordo com o Pew Research Center.

Trump fez campanha dizendo que a imigração para os Estados Unidos estava descontrolada, fazendo o país ser "invadido" por estrangeiros, que estariam "envenenando o sangue" do país, "tomando vagas de emprego" de americanos e pressionando serviços públicos.

Além de enviar o Exército para a fronteira, em seu primeiro dia na Casa Branca, em 20 de janeiro, a nova gestão Trump revogou a proteção contra operações migratórias em "locais sensíveis" nas comunidades e bairros ao redor do país.

"Os criminosos não poderão mais se esconder nas escolas e igrejas da América para evitar a prisão", afirmou um porta-voz do Departamento de Segurança Interna (DHS, na sigla em inglês), que atua para colocar em prática as políticas migratórias americanas.

De lá para cá, operações se espalharam pelos Estados Unidos, e o pânico se instalou nos grupos de WhatsApp de evangélicos brasileiros.

Além da tensão, a comunidade evangélica brasileira tenta se equilibrar entre as afinidades com Trump e a nova ênfase da política migratória.

Por um lado, boa parte dos imigrantes brasileiros evangélicos apoiaram a volta do republicano à Casa Branca —graças a bandeiras como o combate a políticas de gênero e aborto e o apoio ao empreendedorismo.

Por outro, uma parcela desta mesma comunidade é alvo da prioridade número um da gestão: prender e deportar o maior número possível de imigrantes sem documentos.

A situação já provocou mudanças concretas no cotidiano dos brasileiros.

A BBC News Brasil conversou com seis pastores na Flórida e em Massachusetts que relataram ter visto encolher a presença de fiéis em suas igrejas ou em instituições de colegas nas semanas que sucederam à chegada de Trump à Casa Branca, já que alguns evangélicos deixaram de se sentir seguros não só no trajeto aos templos, mas até mesmo durantes os cultos.

Ajuda legal e afinidade com Trump
Também liderada por brasileiros, a Igreja Presbiteriana CTK United aprovou um novo gasto fixo em seu orçamento mensal desde a volta de Trump à Presidência.

Os mais de 600 fiéis que congregam em templos de Massachusetts, Connecticut e Washington D.C. têm agora à disposição um advogado especializado em imigração para prestar assistência.

É a primeira vez que a instituição toma tal medida, embora tenha entre os frequentadores 30% de imigrantes sem documentos.

"As pessoas começaram a perguntar: se eu for surpreendido, meu filho vai ficar com quem? As minhas coisas ficam com quem?", conta o pastor Pedro Lino, líder da CTK United.

Na igreja dirigida pelo pastor Júnior Ramos, a Waves of Revival, em Framingham, em Massachusets, ao menos 12 famílias já assinaram documentos que dão a Ramos a guarda de suas crianças em caso de prisão e deportação dos pais.

Com quase metade dos fiéis na condição de imigrantes em situação irregular, o pastor percebeu uma redução em cerca de 30% na frequência dos membros da igreja nas primeiras semanas do novo governo, movimento que agora está refluindo.

"Há um pânico, e é inevitável que isso afete as comunidades. O próprio governo atua para colocar medo para que as pessoas se autodeportem", diz Ramos, citando um comercial de TV do DHS que estimula imigrantes em situação irregular a voltarem a seus países de origem para evitar serem detidos por agentes do governo.

Embora a Constituição dos Estados Unidos proteja atos religiosos, como cultos, de interrupção por agentes de segurança ou imigração, muitos pastores passaram a demonstrar dúvidas sobre como lidar com uma possível batida do Serviço de Imigração e Alfândega (ICE, na sigla em inglês) nas igrejas.

Diante da demanda, a Associação de Pastores de Orlando chegou a fazer uma plenária com três escritórios de advocacia especializados em imigração para orientar os líderes das mais de cem igrejas associadas.

"Se o ICE bater numa igreja, qual o procedimento? Eles podem só chegar e entrar? Não. Tem todo um protocolo, tem que mostrar um mandado assinado por um juiz federal, com um alvo específico, não pode interromper o culto, nem fazer varredura dos fiéis", diz o pastor André Loyola, presidente da associação.

Segundo ele, nenhuma batida do tipo aconteceu até agora em nenhum templo da região. Ainda assim, os líderes começaram a criar estratégias para potencialmente lidar com uma situação tensa.

"Se o agente chega, você precisa ter a calma de ser cooperativo, não estamos contra a lei", diz Loyola.

"O que sugerimos é treinar dois ou três membros da comunidade que falem bem inglês e que possam entender o que os agentes precisam, para que se possa discretamente cooperar, sem criar um pânico no público."

 

Apesar do atual desconforto com a ameaça aos fiéis, a maioria dos pastores ouvidos pela BBC News Brasil apoia e considera corretas as medidas do presidente americano.a

"As leis existem para ser cumpridas, e cada presidente tem sua agenda, mas não vai acontecer essa violação, de invadirem igrejas, a menos que a igreja esteja cheia só de bandidos", afirma o pastor Leidmar Lopes, da Alliance Church, na Flórida.

Uma das principais referências brasileiras evangélicas no país, o pastor Lopes é um entusiasta de Trump e tem colaborado com o recém-criado Escritório da Fé, ligado à Casa Branca.

O Escritório da Fé tem a função de investigar e denunciar qualquer tipo de "discriminação contra cristãos" no país e promover políticas de educação, adoção e combate a drogas junto a entidades religiosas.

A iniciativa é inédita e foi comemorada por lideranças religiosas que, frente às políticas de deportação, têm adotado majoritariamente o discurso de que se trata de algo necessário, mesmo que eventualmente afete os próprios fiéis.

"A comunidade [evangélica] está, sim, apreensiva, mas, em linhas gerais, você não vê ninguém revoltado com o governo porque ele resolveu pôr fim a uma série de situações que eram erradas", diz o pastor Pedro Lino, que vive há nove anos nos Estados Unidos.

 

O pastor defende que muita gente "mal intencionada" entrou no país nos últimos anos — e acredita que governo Trump só vai querer ir atrás dos "criminosos", algo repetido por grupos de apoiadores do republicano. O mesmo argumento é defendido pelo pastor Lopes.

Mesmo as declarações da Casa Branca de que todos os imigrantes em situação irregular estariam na mira — pois quem entra ilegalmente nos Estados Unidos já pode ser considerado um "criminoso" — não mudam o apoio das lideranças.

Na Flórida, o pastor Samuel Vitalino, líder da Igreja Esperança BPC, em Orlando, classifica como "infelicidade" o fato de algumas pessoas sem ficha criminal serem detidas em batidas do ICE.

É o que tem sido chamado de "dano colateral", como o caso do brasileiro Lucas Amaral revelado pela BBC News Brasil. Cantor gospel na Igreja Batista da Lagoinha na região de Boston, Amaral passou mais de um mês preso após ser encontrado em uma blitz migratória em Massachusetts.

Segundo a defesa de Amaral, ele entrou no país com visto de turismo e estava irregular, mas não tinha nenhum histórico criminal e, agora, espera a conclusão do processo migratório — que pode resultar em deportação — em liberdade.

O ICE tem repetido que, entre os presos em operações nessa primeira fase, haverá detidos sem passagem na polícia ou ordem de deportação.

 

Os exemplos na Flórida ou em Massachusetts mostram um dilema entre os imigrantes evangélicos —muitos sem documentos— nos Estados Unidos.

Pesquisas eleitorais feitas antes do pleito de 2024 mostram que o apoio a Trump entre os evangélicos brancos passou dos 81%. Entre os evangélicos hispânicos, grupo que abarca grande parte da comunidade latina, 63% votaram em Trump.

Segundo Loyola, na associação, nenhuma igreja fez abertamente oposição ao republicano, embora nem todas o tenham apoiado intensamente.

"Algo interessante acontece nas mentes e corações [dos evangélicos]. Havia uma torcida para que os republicanos ganhassem a eleição, mesmo que tivessem certo medo e certo receio do que poderia acontecer", resume o pastor Samuel Vitalino.

"O Trump fala sobre imigrantes. Mas isso faz parte do que o público dele americano republicano gosta de ouvir. Eu acho que a gente está lidando com política. Para o grupo de apoio de Trump, esse barulho é muito bem-vindo."

Embora tenha apoiado Trump, o pastor Ramos diz não ter feito campanha por ele e ser contrário à visão da atual administração de que "imigrantes em situação irregular são criminosos".

"Mas acho que ainda é um pouco cedo para dizer se Trump foi ou não a melhor escolha para o imigrante evangélico", completa Ramos.

Em contato com grupos de evangélicos na Flórida, a pesquisadora Thaysy Lopes, professora de Ciências das Religiões da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), diz que a maioria dos fiéis, por sua vez, têm optado pelo silêncio sobre a política de imigração do atual governo.

Entre os que conversaram com ela, "há sempre uma negativa da possibilidade de as políticas de Trump atingi-los", diz Lopes, autora de Religião e Migração Brasileira nos Estados Unidos.

Segundo dados do DHS, no primeiro mês sob Trump, o ICE realizou mais de 20 mil prisões. Em média, são 700 prisões por dia, mais que o dobro da taxa diária nos últimos anos, sob Joe Biden, mas abaixo da meta de ao menos mil prisões diárias que Trump desejaria.

Recentemente, o pastor André Valadão, da Igreja Batista da Lagoinha, com ampla atuação nos Estados Unidos, usou o culto para fazer uma defesa de Trump, dizendo que Biden e Barack Obama deportaram "infinitamente" mais pessoas e que o "melhor lugar para se estar" no momento é a igreja, sugerindo ter havido uma redução no número de fiéis presentes.

Enquanto dialogava com a plateia, Valadão acabou expondo a tensão que cerca o grupo. Ao pedir para que levantassem a mão aqueles ali que eram imigrantes, ele viu uma reação tímida dos presentes. "Gente, a pessoa está com medo até de levantar a mão", disse Valadão, arrancando risos no culto.

Os números do ICE comprovam que, sob Biden e Obama, mais deportações aconteceram do que ao longo do primeiro mandato de Trump.

O pastor Leidmar Lopes repete o argumento. Há mais de três décadas no país, ele diz que já viu muitas ondas de expulsão de imigrantes, inclusive nos governos democratas, e que a novidade agora seria apenas "o auê sensacionalista feito por influencers", nas redes sociais, utilizando-se, inclusive, de vídeos de operações antigos.

Já o pastor Silas Malafaia, líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, que também tem atuação nos Estados Unidos, postou um vídeo nas redes sociais em que diz que "defende em parte" a política de Trump.

Malafaia diz que Trump está certo em deportar pessoas com ficha criminal, mas "deportar gente trabalhadora, aí não".

"Nós não podemos aceitar a perseguição ao estrangeiro que é trabalhador num país cristão [...] No passado, na escravidão americana, os evangélicos brancos se omitiram, ficaram calados, vão se omitir de novo na questão do imigrante?", questionou o pastor, dizendo que vai pressionar líderes evangélicos americanos.

O limite para Trump
Apesar do apoio relativo às políticas de Trump, os líderes evangélicos têm dito que o cenário pode mudar, caso as operações anti-imigrantes se alonguem, aumentem em intensidade e passem a atingir mais e mais pessoas sem histórico criminal.

"Mas a sensação é que Trump não avançou ainda [para esse grupo]. Agora, se ultrapassarem os limites dos criminosos, eu acho que aí o governo vai perder bastante dentro da comunidade evangélica", diz o pastor Pedro Lino.

Em uma das suas primeiras ordens executivas anti-imigrantes, Donald Trump ameaçou obrigar os imigrantes em situação irregular a "se registarem" no governo dos Estados Unidos ou enfrentariam acusações criminais, detenção e deportação, apesar de não estar claro ainda como isso ocorreria.

Essa é uma preocupação para Lino, caso o registro passe a ser utilizado para perseguir pessoas que estão há décadas no país pagando impostos e trabalhando.

"Esses imigrantes são honestos, já têm filhos, netos americanos. Alguns entraram aqui de uma forma que não convém."

O pastor Ramos compartilha desta percepção. Ele tem recomendado aos fiéis que adotem uma postura conservadora em relação a gastos e exposições ao longo dos cem primeiros dias da nova gestão, quando se espera que ocorram buscas mais do ICE.

Nenhum dos pastores ouvidos pela reportagem acredita que Trump pretenda ou vá ser capaz de deportar mais de 10 milhões de pessoas, embora ele tenha prometido explicitamente fazê-lo.

Embora Trump nunca tenha feito qualquer declaração no sentido de regularizar os estrangeiros em situação irregular no país, circula entre as lideranças evangélicas a tese de que será isso que ele fará.

"Entendo que, até por querer restringir o direito de cidadania por nascimento, que o presidente Trump não queira dar cidadania a esses imigrantes, mas queira manter a relação de benefícios que a sociedade e a economia americanas têm com eles", diz o pastor Ramos.

"Então, creio que vá ser criado um caminho para a legalização que talvez vá até o green card, mas que não passe daí. Isso não existe hoje, é um pensamento pessoal, algo que me parece lógico."

Há décadas vivendo no país, ele testemunhou quando o republicano Ronald Reagan criou uma anistia que garantiu cidadania a cerca de 3 milhões de pessoas que até então viviam sem documentos no país. Para ele, os paralelos históricos apontam para o acerto de sua análise.

 Julgamento cristão
Na avaliação da pesquisadora Thaysy Lopes, Trump de fato só perderia algum apoio da comunidade evangélica imigrante caso suas operações passem a afetar a igreja como instituição.

"Se houver problemas ao movimento econômico e à garantia da estabilidade econômica da empresa religiosa, aí Trump vai ter problemas", avalia Lopes.

Nas pesquisas que fez com cristãos brasileiros na Flórida, ela concluiu que há uma forte "imigração religiosa" na região.

Uma vez nos Estados Unidos, muitos brasileiros não evangélicos acabam se convertendo ao protestantismo.

"Há uma força gigantesca da igreja protestante. E são igrejas muito alinhadas ao perfil de 'excepcionalidade dos Estados Unidos', de melhorar de vida, do sucesso", explica Lopes.

Em alguns casos, diz Lopes, os recém-chegados ganham até um "vale-culto" ao frequentar a igreja, podendo trocá-lo por enxoval e outros produtos pessoais.

"É como um apoio familiar. É ali onde os imigrantes se sentem acolhidos e fortalecidos para o sonho americano", explica a pesquisadora.

Mas nem tudo soa acolhedor.

Nas redes sociais de pastores e igrejas brasileiras, é muito frequente ver críticas de evangélicos sobre as pessoas que estão vivendo em situação irregular nos Estados Unidos.

O pastor Pedro Lino explica que "o imigrante que se legalizou se torna legalista". Ou seja, passa a defender o cumprimento das leis sem nenhuma relativização.

"É isso que eu tenho combatido muito na igreja. Essa pessoa parece que esqueceu que ela também em um momento esteve em situação irregular. Se não houver misericórdia, a gente não pode viver o cristianismo de verdade", diz Lino.

"Não vamos ter vergonha dos imigrantes, não vamos ter vergonha da nossa gente. Agora, tudo isso de uma maneira muito equilibrada, olhando sempre os dois lados", completa o pastor, que diz que o cristão não deve ser de direita nem de esquerda, mas "submisso a Cristo".

O pastor Paulo Tenório, ele mesmo um ex-imigrante sem documentos que se regularizou após quatro anos nos Estados Unidos, diz ser necessária uma sensibilidade aos imigrantes em situação irregular para que estas pessoas ainda não se sintam tão mal.

"Sempre digo que o primeiro imigrante sem documentos foi Abraão, quando Deus falou: 'Sai da terra para um lugar que vou te mostrar'. Deus não deu um green card para ele. Deus entregou a terra."

 

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