Há alguns anos, na época das festas natalinas, tenho o hábito de recomendar que se priorizem livros nas trocas de presentes, comuns em eventos familiares, sociais ou corporativos. Mais que um mimo material, oferecer um livro a alguém é uma homenagem à inteligência e à sensibilidade do presenteado. É sempre um gesto de esperança na humanidade, seja uma história em quadrinhos, um romance, um livro de receitas ou um tratado filosófico. Com algumas exceções, como textos extremistas, intolerantes ou negacionistas da ciência, todos nós saímos um pouco melhores da leitura de um livro.
Por vezes, arrisco-me a fazer recomendações desse ou daquele título ou autor que me tocou de forma mais profunda.
Esse ano, contudo, não falarei de livros, mas de um filme.
‘Ainda estou aqui’ está em cartaz nos cinemas. Se você ainda não assistiu, não deixe de ir. Ofereça esse presente a si mesmo e a mais alguém que você goste.
Há muito tempo um filme não me emocionava tanto. Já tem alguns dias que fui vê-lo e, volta e meia, me vem à lembrança uma determinada cena, uma imagem, uma fala, uma situação.
Há quem o defina como um filme que retrata com maestria um momento trágico da nossa vida política, com a brutalidade criminosa, até hoje impune, da ditadura militar. Sim, mas para mim é bem mais do que isso.
‘Ainda estou aqui’ é essencialmente a história de uma família brasileira cuja vida sofre uma reviravolta irreversível a partir de um evento kafkiano, quando a sua casa é invadida por militares armados e não identificados, sem mandado de busca ou de prisão, que levam presos o pai, a mãe e uma adolescente de quinze anos. O corpo do pai, o ex-deputado Rubens Paiva, nunca apareceu, tendo sido provado que foi assassinado nas dependências do nosso Exército.
O filme não traz cenas de torturas ou de violência explícita, nem se reduz a denúncias de violações de direitos humanos. Antes, apresenta a perplexidade das crianças que perguntam quando o seu pai irá voltar para casa, até que, aos poucos, sem que ninguém lhes diga, percebem que nunca mais o terão presente nos sorvetes depois da escola, nos domingos na praia ou nos almoços com os amigos.
O filme descreve a luta admirável de uma mulher, Eunice Paiva, em busca de respostas para o desaparecimento do marido e de soluções para problemas domésticos, como movimentar a conta bancária de alguém a quem somente 25 anos depois se concedeu um atestado de óbito. Uma mulher a quem o monstro sem face da ditadura matou o companheiro de vida, mas que encontrou forças para viver, estudar, trabalhar, lutar e cuidar de seus filhos e netos. Felizmente, há muitas mulheres corajosas como ela.
Um filme com minuciosa reconstituição da época, técnica impecável e um desempenho extraordinário de alguns dos melhores atores brasileiros, como Fernanda Montenegro, Fernanda Torres e Selton Mello. Um filme que foi possível a partir do livro do mesmo nome, de Marcelo Rubens Paiva, filho de Rubens e Eunice e criança pequena à época dos fatos. Um filme imperdível.
Assistam e presenteiem uma pessoa querida. Boas Festas!
(*) LUIZ HENRIQUE LIMA é professor e conselheiro independente certificado.
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