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INTERNACIONAL Quarta-feira, 03 de Julho de 2024, 09:20 - A | A

Quarta-feira, 03 de Julho de 2024, 09h:20 - A | A

Nova tática

Em um campo de batalha caótico, os russos passaram a usar veículos de duas rodas

R7

A princípio, eles davam a impressão de ser uma nuvem de poeira no horizonte, mas segundos depois as motocicletas dos soldados russos tomaram forma, ziguezagueando no campo, espalhando poeira, ensaiando uma carreira barulhenta e perigosa em uma das trincheiras ucranianas. “Eles chegam a toda, se espalham, ficam dando guinadas”, disse o tenente Mykhailo Hubitsky, descrevendo a nova modalidade de ataque que presenciou. Esse tipo de investida vem proliferando ao longo da linha de frente há meses, agregando um novo elemento à luta já violenta e caótica.

Segundo os soldados e comandantes locais, o uso de motos, mountain bikes, quadriciclos e buggies de areia agora responde por metade de todas as agressões em algumas áreas da frente, com as forças de Moscou tentando usar a velocidade para penetrar os espaços vazios expostos, onde seus blindados, lentos, são alvos fáceis.

O recurso pouco convencional tem sido usado com tamanha frequência que parte das trincheiras agora tem vista para verdadeiros ferros-velhos de veículos off-road abandonados e danificados, como mostram os vídeos de reconhecimento feitos por drones.

A nova tática é a forma que os invasores encontraram de se adaptar a um campo de batalha coalhado de minas e sob forte vigilância para obter pequenas vitórias táticas, geralmente de algumas centenas de metros; o maior avanço na região foi de cerca de 25 quilômetros do ponto inicial. “Estamos enfrentando uma disputa metro a metro”, confirmou o capitão Yaroslav, comandante de artilharia da 80ª Brigada de Assalto Aéreo, que na semana passada estava disparando foguetes contra as linhas russas e só se identificou pelo primeiro nome por razões de segurança.

Apesar disso, o Exército russo se mantém na ofensiva. Com o tempo, seus ganhos pequenos passaram a representar uma vantagem considerável, e agora está perto de linhas de fornecimento estrategicamente importantes e cidadezinhas da região do Donbas, no leste do país.

Desde que conquistou Bakhmut, em maio de 2023, a ofensiva para o oeste avançou quase cinco quilômetros em mais de um ano; agora está empacada em um canal perto de Chasiv Yar, mas ameaça flanquear as posições ucranianas, ao mesmo tempo se aproximando de uma rota de abastecimento local importante: a rodovia Pokrovsk-Kostyantynivka.

O risco que a estrada corre reforçou a urgência do combate porque, se os russos assumirem seu controle, ou mesmo ameaçarem fazê-lo, isso retardará o fluxo de alimentos, armas e munição tão necessário para as unidades que estão lutando no Donbas. Em 24 de junho, por muito pouco dois mísseis russos não atingiram uma ponte essencial sobre a rodovia. A estrutura se mantém intacta, mas, segundo as autoridades regionais, houve mortos e feridos.

Além disso, o avanço russo também ameaça dois vilarejos defendidos pelos ucranianos: Toretsk e Nova York, sendo o segundo um pontinho nas planícies da região, inspirado na cidade xará norte-americana no século XIX. Se eles caírem, a Rússia terá condições de seguir na direção das últimas cidades grandes ainda mantidas pelos locais: Kostyantynivka, Druzhkivka, Kramatorsk e Slovyansk.

Em junho, as autoridades aceleraram a evacuação dos civis das duas aldeias, retirando o restante dos moradores de van em meio a um bombardeio pesado. Em ambas, parcialmente cercadas, o som da artilharia inimiga ecoa pelas ruas quase desertas. Rolos de fumaça escura sobem dos locais alvejados. Praticamente em todas as quadras de Nova York há pelo menos uma casinha de tijolos com o telhado destruído por bomba. No Donbas, todas as cidadezinhas que os russos capturaram desde fevereiro de 2022 viraram uma montanha de destroços.

Fuga às pressas

As evacuações são feitas às pressas, com os moradores tendo apenas alguns minutos para juntar os pertences em uma ou duas malas e colocá-las em uma das vans, deixando para trás a casa que muitas vezes ocuparam desde que nasceram. “Bum, bum, bum”, foi como Alina Olyak, enfermeira aposentada de 69 anos, descreveu as condições em Toretsk na última semana, quando os russos fizeram avanços graduais nos campos. “Eu me despeço da minha bela cidade”, completou.

Pois os militares agora estão a pouco mais de um quilômetro e meio do centro. A van que levou Olyak na segunda foi destruída na terça por uma rajada de estilhaços de um foguete, ferindo um dos voluntários que vinha ajudando na retirada da população.

Com o avanço de suas forças, a Rússia vem diversificando a forma de atravessar os campos abertos; a opção mais recente são os veículos de duas rodas. Com os drones de reconhecimento tomando conta dos céus de Donbas, os blindados de ambos os lados viraram alvo fácil; já as motos e os buggies são mais ágeis e mais difíceis de atingir. O único problema é que não oferecem proteção nenhuma aos condutores, expostos às rajadas de metralhadoras quando se aproximam das trincheiras.

Às vezes, eles conseguem passar, mas só quando a artilharia de seu país consegue impedir que os ucranianos ponham a cabeça para fora das trincheiras. Entretanto, a tática, mesmo arriscadíssima, é uma saída para uma das maiores dificuldades bélicas impostas a ambos os lados: atravessar um campo minado aberto sendo vigiado pelos drones e sob artilharia pesada. “Se conseguem passar por determinada área, os soldados abandonam a moto, entram na nossa trincheira e partem para o combate a pé. Pulam do veículo já atirando. Os buggies e as motos são velozes, passam pelos arvoredos em um piscar de olhos”, descreveu Sapsan, sargento ucraniano da 47ª Brigada Mecanizada, que, seguindo o protocolo de segurança de sua unidade, pediu que fosse identificado apenas pelo apelido.

Como a onda de ataques da infantaria que permitiu aos russos capturar Bakhmut no ano passado, a invasão das motos resulta em muitas mortes, confirmam os ucranianos. Entretanto, não supera a vantagem numérica, pura e simples, dos armamentos e do volume de munição usados no avanço; são apenas uma tática adicional. O uso de mountain bikes e buggies, baratos e descartáveis, ajuda a conservar os blindados, já que o Exército russo ainda tem de apelar para os tanques antiquados que usou na Guerra Fria.

A nova tática é posta em prática simultaneamente com outra estratégia, atípica, de premissa totalmente oposta, volumosa e lenta. Os russos soldam placas de metal para proteger os tanques dos drones explosivos, criando estruturas quase do tamanho de uma casa, conhecidos como “tanques tartaruga”. Gigantescos, arrastam-se rangendo e bufando sobre os campos, tornando-se outra presença bizarra nos campos de batalha do Donbas.

Desvio das minas

Segundo os ucranianos, no descampado os motociclistas têm boa visibilidade e conseguem se desviar das minas que o operador do blindado muitas vezes não consegue nem enxergar. Ou seguem pelas trilhas abertas pelos veículos em investidas anteriores, sabendo que ali não há explosivos. Mas não têm proteção contra os estilhaços da artilharia explodindo à sua volta – e, se conseguem se aproximar das trincheiras, ficam expostos às saraivadas das metralhadoras. “Não sei onde encontram homens dispostos a fazer uma coisa dessas. Às vezes, todos sobrevivem; em outras, não sobra um”, descreveu o sargento Volodymyr, que também respeitou o protocolo, identificando-se apenas pelo primeiro nome.

A Ucrânia também combate as investidas de moto com drones quadricópteros, cujo operador usa óculos de realidade virtual, arma improvisada que despontou como destaque nesse conflito, alterando as condições do campo de batalha devido à capacidade de atingir os blindados em movimento. Todos esses obstáculos certamente podem ser letais, como foi o caso do ataque que Hubitsky testemunhou, com oito ou nove mountain bikes avançando sobre as trincheiras locais. “Quando os soldados se aproximaram, abriram fogo, mas as bicicletas são leves, difíceis de mirar. Conseguiram acertar alguns, outros não, mas os poucos que sobreviveram não conseguiram montar uma unidade para partir para cima da nossa trincheira. Abandonaram as bikes nos limites do campo, e foram mortos no combate corpo a corpo.”

O que não impede o comando russo de insistir no estratagema. “Todos os bosques estão cheios desses buggies e dessas motos”, concluiu o sargento Sapsan.

c. 2024 The New York Times Company

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