Em sua primeira semana no cargo, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, deixou claro que suas ameaças de vingança contra seus ditos inimigos não eram promessas vazias de campanha — e que sua retaliação não tinha apenas o objetivo de impor punição pelo passado, mas também intimidar qualquer um que ouse desafiá-lo no futuro. Desde então, já demitiu funcionários federais, retirou proteções de segurança de outros e implementou mudanças internas em setores-chave, como o Departamento de Justiça, sinalizando uma transformação ainda mais drástica em seu novo mandato e fomentando um clima de intimidação contra a dissidência interna.
A última ação foi anunciada na noite de segunda-feira, quando o Departamento de Justiça da era Trump demitiu mais de 12 advogados ligados aos processos do procurador especial Jack Smith contra o republicano, após serem informados de que não eram confiáveis para implementar "fielmente" sua agenda. Smith, que renunciou ao cargo no início do mês, acusou Trump de conspirar para alterar o resultado das eleições de 2020 e de má gestão de documentos confidenciais após deixar a Casa Branca. Nenhum dos casos foi a julgamento.
Além disso, também foi iniciada uma revisão da acusação de obstrução de um processo oficial de centenas de réus — seus apoiadores — do ataque ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021. Trump já havia concedido perdão aos condenados por sedição pela invasão à sede do Legislativo americano, libertando inclusive líderes de grupos de extrema direita envolvidos no ataque, como Proud Boys e Oath Keepers. Após a soltura, dois desses líderes, Enrique Tarrio e Stweart Rhodes, pediram que Trump buscasse vingança em seus nomes.
Mas outras mudanças drásticas ocorreram logo na primeira semana no Departamento de Justiça, como a retirada das proteções de segurança de ex-funcionários sob ameaça de morte — incluindo seu ex-secretário de Estado, Mike Pompeo, o ex-conselheiro de Segurança Nacional John Bolton, e Anthony Fauci, que ajudou a liderar a resposta contra a pandemia de Covid-19 —, mostrando disposição da nova administração em punir quem considera desleal. Já na terça-feira, o Pentágono informou ao general Mark A. Milley, chefe reformado do Estado-Maior Conjunto, a remoção de seu destacamento de segurança, a revogação de sua autorização de segurança e a abertura de um inquérito geral sobre seu histórico. As decisões, não indicadas durante a sua campanha, teve como objetivo punir pessoas que Trump acredita terem atrasado ou bloqueado sua agenda de primeiro mandato.
Entre outros acontecimentos, foi revogado um memorando da administração de Joe Biden, seu antecessor, que recomendava clemência em casos de infração por drogas, adotando uma política de punições mais severas para todos os crimes. Também foram interrompidas iniciativas de direitos civis e ambientais e houve transferência de mais de 20 funcionários de carreira do Departamento de Justiça para cargos marginais.
Outro funcionário removido, segundo o Wall Street Journal, foi o chefe da seção de integridade pública do Departamento de Justiça, que processa delitos relacionados a eleições e lida com algumas das investigações politicamente mais delicadas de funcionários públicos. O conselheiro-geral e um membro democrata do Conselho Nacional de Relações Trabalhistas também foram demitidos nesta semana, citou o New York Times.
As manobras legais de Trump não se resumem somente ao Departamento de Justiça e também incluíram, por exemplo, ordenar que autoridades do governo relatassem os esforços de seus colegas para promover programas de diversidade, equidade e inclusão em quaisquer setores federais, sob pena de "consequências adversas". Também foram congeladas as contratações para cargos federais, o que levou à revogação de ofertas de emprego para advogados que haviam aceitado posições no Departamento de Justiça, mas ainda não haviam começado.
Ainda é difícil avaliar qual efeito prático da enxurrada de ações. Por exemplo, um decreto anunciando investigações sobre o Departamento de Justiça e agências de inteligência para "garantir a responsabilização pela instrumentalização do governo federal pela administração anterior" é vaga sobre o que os investigadores devem examinar e sobre como podem ser as "ações corretivas" que a ordem exige.
Contudo, em conjunto, essas medidas enviam um sinal claro de que o presidente não se sente constrangido em punir aqueles que considerar desleais, que ele está potencialmente disposto a ir mais longe contra seus inimigos do que prometeu durante a campanha e que qualquer oposição que surgir terá um preço.
— Como Trump disse consistentemente, a melhor retaliação é o sucesso de todos os americanos, e, com base nas ações históricas que ele tomou em menos de uma semana, o país está de volta aos trilhos — disse o diretor de Comunicações da Casa Branca, Steven Cheung, citado pelo New York Times.
Mudanças entre uma administração e outra são comuns, mas não nesse nível, relata a imprensa americana. Funcionários ouvidos pelo WSJ disseram que acreditam que a reorganização tem o objetivo de pressionar funcionários de carreira com proteção do serviço público a deixarem seus cargos, com alguns já indo para empresas privadas e outros empregos.
Sem garantia de segurança
Mas talvez a mensagem mais direta nesse sentido tenha sido a retirada de proteção aos ex-funcionários que enfrentam ameaças de morte. Os conselhos e políticas de Fauci durante a pandemia o levaram a ser visto como um vilão por muitos dos apoiadores do presidente. E tanto Bolton quanto Pompeo foram alvos de conspirações de assassinato pelo Irã por seu envolvimento em aconselhar Trump quando ele decidiu mandar matar o principal comandante de segurança e inteligência iraniano em 2020.
Quando anunciou a medida na semana passada, Trump disse que eles não tinham garantia de segurança ao deixar o governo, e que todos eles tinham ganhado dinheiro suficiente para pagar por segurança privada. Também acrescentou que não sentiria nenhuma responsabilidade se eles fossem prejudicados por adversários.
— Acho que esse é o estilo de Trump, sem sombra de dúvidas, e é o que ele realmente quer fazer — reagiu Bolton em uma entrevista no domingo. — Apesar de toda a conversa sobre olhar para frente, o que ele realmente quer fazer é olhar para trás. Mas não tenho tanta certeza de que esse caminho seja tranquilo.
A decisão foi especialmente preocupante para alguns republicanos, pois pelo menos dois dos funcionários cuja segurança foi retirada — Pompeo e Brian Hook, que havia sido enviado especial para a política do Irã — não se opuseram claramente a Trump. Pompeo demorou a endossá-lo e fez algumas críticas leves após a revelação em 2022 de que Trump havia guardado documentos confidenciais após deixar a Casa Branca. Já Hook não cometeu nenhuma infração evidente e até se ofereceu para ajudar na atual equipe de transição.
Parlamentares republicanos próximos a ambos ainda tentam entender o que aconteceu. Isso se tornou uma situação comum, à medida que pessoas em busca de cargos na segunda administração de Trump enfrentam um labirinto de demandas de lealdade, tentando entender as limitações políticas e por que a deslealdade é tratada de forma diferente em algumas situações.
Mike Pence, vice-presidente durante o primeiro mandato do republicano, e cuja própria vida foi ameaçada por uma multidão pró-Trump em 6 de janeiro de 2021, disse estar "decepcionado e preocupado" com a decisão. Durante uma reunião com repórteres na sexta-feira nos escritórios de sua organização sem fins lucrativos em Washington, Pence disse que não discutiria informações confidenciais, mas que estava claro pelos relatórios públicos que as ameaças do Irã eram reais, contínuas e que a segurança era necessária para proteger as vidas dos ex-funcionários.
Adicionalmente, os senadores Tom Cotton, do Arkansas, e Lindsey Graham, da Carolina do Sul, ambos republicanos, tornaram público no domingo seu desconforto com a decisão de Trump, um raro exemplo de resistência pública dentro do partido sobre a propensão do presidente à vingança.
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