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INTERNACIONAL Sexta-feira, 21 de Fevereiro de 2025, 08:34 - A | A

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fim da guerra

Ucranianos temem perder território, casa e até família em propostas de paz com a Rússia

R7

Kiev, Ucrânia – Olena Matvienko, de 66 anos, sabe que já não tem para onde voltar: os russos capturaram sua cidade, Mariupol, logo em seguida à invasão da Ucrânia; um míssil destruiu o antigo prédio onde morava; a filha e a neta foram mortas lá. Apesar de tudo isso, ela gostaria de retornar.

Entretanto, depois dos comentários que Donald Trump e seu secretário de Defesa fizeram na última semana – de que a Ucrânia teria de ceder uma fração do território como parte de um acordo de paz –, agora ela teme que Mariupol se torne parte da Rússia. E se diz horrorizada. “Eu só gostaria de ver como reagiriam se uma parte dos EUA fosse tirada deles. É o mesmo que arrancar um braço ou uma perna de alguém e depois dizer: ‘Ah, deixa do jeito que está’”, desabafou ela, que pertence aos cerca de 4,6 milhões de ucranianos forçados a fugir dos territórios ocupados e da Crimeia para viver em outra parte do país.

Trump prometeu um fim rápido para a guerra, deflagrada pela invasão russa do vizinho há três anos. Nesta última semana, ele e seu secretário de Defesa, Pete Hegseth, entregaram dois grandes troféus a Moscou antes mesmo do início das negociações, afirmando publicamente que a Ucrânia não vai fazer parte da Otan tão cedo e que a Rússia poderia ficar com pelo menos uma parte do território que capturou – o que corresponde a cerca de 20% do país e inclui a Crimeia, invadida em 2014. Ou seja, se o pacto engendrado pelos norte-americanos vingar, muita gente que perdeu a casa para o conflito terá poucas chances de voltar.

A partir disso, portanto, haveria efetivamente duas Ucrânias: uma controlada por Kiev, e a outra, a leste, em ruínas, transformada em satélite russo, com muitas famílias divididas entre ambas. “Quando você vive em uma realidade que está se desmanchando a seus pés, a única coisa que ajuda a sobreviver é acreditar em regras, em países democráticos civilizados que respeitam valores. Quando uma nação como os EUA deixa de ser exemplo, não há mais esperança”, declarou Anna Murlykina, jornalista de 50 anos que fugiu de Mariupol rumo a Kiev, em 2022.

Ao justificar a posição norte-americana, Hegseth disse que era “irrealista” insistir na volta às antigas fronteiras. “Só vai prolongar a guerra e causar mais sofrimento.”

É difícil dizer quantas pessoas continuam nos territórios ocupados; de acordo com uma estimativa, até junho passado havia seis milhões, sendo um milhão e meio de crianças. Em alguns vilarejos o bombardeio foi tão agressivo que agora se parecem mais com paisagens lunares. A população reclama da falta de esgoto, água, energia e outros serviços públicos, bem como das escolas que pretendem doutrinar as crianças locais com a ideologia russa.

Segundo uma moradora de Berdiansk, capturada pelos russos em 2022, a cidade portuária está se recuperando lentamente, apesar de poucos moradores originais terem permanecido ali. “Não apoiei a invasão, mas, como muita gente que ficou, estou só tentando tocar a vida. Fico revoltada com essa história de que começaram a nos chamar de traidores. Não atraiçoamos ninguém, não. Estamos na terra que é nossa, na casa que é nossa, simplesmente tentando sobreviver nas circunstâncias em que nos encontramos”, explicou a mulher, que pediu que não fosse identificada por medo de retaliações.

Liubov, de 64 anos, que deu só o primeiro nome por medo dos russos, fugiu de Melitopol em 2022 para se estabelecer em Zaporizhzhia – que agora está perto das linhas de frente. “Minha preocupação é meu filho, que está no Exército. Foi ingenuidade minha, eu sei, mas eu botava fé em Trump. Todo mundo dizia que ele é muito imprevisível; eu achava que tinha condições de acabar com a guerra.”

Agora, como muitos ucranianos da região, ela questiona o preço que uma eventual paz lhe custará. “Eu sonhava que ia poder voltar para minha casa em Melitopol, limpar tudo, eliminar os resquícios dos filhos da mãe que estão morando lá. Plantar roseiras novas, porque o jardim deve estar esquecido e minhas plantas, mortas.”

Para algumas famílias, a divisão não é só geográfica: uma mulher de 55 anos, por exemplo, vive em Dnipro, no lado controlado por Kiev, mas os dois filhos se encontram do outro lado da linha de frente. “O caçula tem 20 anos e está na nossa casa, em um vilarejo em Donetsk, sem poder sair. Com o mais velho não estou nem falando, porque ele apoia a Rússia.”

Ele não é o único: há anos, Vladimir Putin fomenta a ideia de que a Ucrânia não deveria existir, pois pertence à Rússia, como antes era parte da União Soviética. E em algumas partes do país, principalmente perto da fronteira oriental, muitos ucranianos apoiam essa ideia.

Kiev sempre disse que seu objetivo era recuperar as fronteiras da época anterior à captura da Crimeia, mas, há alguns meses, Volodimir Zelenski mudou o discurso, afirmando que a Ucrânia talvez tenha de ceder território temporariamente para selar o acordo de paz e tentar recuperá-lo mais tarde por meios diplomáticos.

As pesquisas mais recentes mostram que uma parcela maior do que nunca da população, exausta, está disposta a trocar a terra pela paz; em novembro, a enquete Gallup revelou que mais da metade dos participantes apoiava as negociações para uma saída rápida.

Durante o governo Biden, os EUA foram os maiores apoiadores da Ucrânia; já Trump e seus cupinchas veem o envolvimento do país com ceticismo. Sem o apoio norte-americano, não se sabe como os ucranianos conseguirão continuar lutando, nem quais são as saídas diplomáticas possíveis para a recuperação do território – e, nesse caso, a Europa e os outros aliados terão de aumentar drasticamente a ajuda militar num momento em que o recrutamento de novos soldados já é difícil.

Muitos ucranianos nos territórios ocupados se confessam temerosos de falar qualquer coisa, principalmente com os parentes em outras regiões do país, pois temem que os celulares em geral estejam sendo grampeados. Quando o fazem, como o rapaz de 20 anos do lado russo com a mãe em Dnipro, preferem temas inofensivos como o clima e a paisagem.

Os civis russos já estão se mudando para algumas áreas ocupadas, atraídos pelas hipotecas baixas e pelo número de propriedades abandonadas. Alguns corretores, aliás, estão à caça de interessados nas propriedades à beira-mar em lugares como Mariupol e a Crimeia.

Uma mulher dessa região, que conversou conosco sob condição de anonimato por temer represálias, disse em entrevista que ela e os vizinhos já se adaptaram às instituições russas. “Fiquei porque fiz questão de criar meus filhos no lugar onde nasci, mas o clima é de resignação. Com toda essa incerteza, o pessoal está bem abatido. Não sei que tipo de perspectiva temos. É extremamente desanimador.”

Matvienko, a mulher cuja filha e cuja neta foram mortas em Mariupol, ficou meio famosa na Ucrânia depois de sair da cidade e seguir para o território controlado pelos russos para buscar o neto de dez anos ferido no ataque que matou a mãe dele. “Conhecidos meus sabem de gente que se mudou das repúblicas russas para Mariupol e que descreveu um verdadeiro cenário de horror. Os caras chegam em qualquer casa, expulsam o dono e se apossam de tudo – da empresa, do carro. Virou terra de ninguém e não tem para quem reclamar, ninguém para manter a ordem. Uma amiga minha, com quem eu conversava bastante nas redes sociais, não dá notícias há tempos. Ninguém sabe onde ela está.”

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