A Cúpula de Chefes de Estado do Mercosul, iniciada na quinta-feira (5), promete resultar em mudanças significativas para o comércio bilateral entre a União Europeia (UE) e os países do bloco sul-americano.
Isso porque há a expectativa de que os grupos consigam concluir uma negociação que se arrasta por 25 anos para a associação entre os blocos europeu e sul-americano.
O Acordo de Associação Mercosul-União Europeia visa fortalecer a relação entre os países dos dois blocos e, entre outros pontos, facilitar o comércio de bens e produtos entre as duas regiões — tema que segue sendo alvo de debates e discordâncias, entre especialistas e até mesmo entre os países da UE.
O que é o Mercosul?
O Mercosul, sigla para Mercado Comum do Sul, é um bloco econômico regional composto por Argentina, Bolívia, Brasil, Paraguai e Uruguai.
Seu objetivo é gerar oportunidades comerciais e de investimentos para os países-membros no mercado internacional.
Além das relações comerciais entre si, o bloco já concluiu uma série de acordos com outros países ou grupos de países pelo mundo, em âmbito comercial, político ou de cooperação.
O que é o Acordo de Associação Mercosul-União Europeia?
O Acordo entre Mercosul e União Europeia visa fortalecer a relação entre os países dos dois blocos. Estão previstos tratados em temas importantes, tais como:
Cooperação política;
Cooperação ambiental;
Livre-comércio entre os dois blocos;
Harmonização de normas sanitárias e fitossanitárias (que são voltadas para o controle de pragas e doenças);
Proteção dos direitos de propriedade intelectual; e
Abertura para compras governamentais.
Parte dos temas já havia sido resolvida em 2019, quando os dois blocos conseguiram alcançar um acordo inicial. O texto, no entanto, precisava passar por processos de validação, como a ratificação dos parlamentos de todos os países envolvidos. Foi aí que o acordo travou.
As negociações foram retomadas apenas nos últimos meses, a pedido da Comissão Europeia. A presidente da entidade, Úrsula Von der Leyen, afirma que o acordo criaria a maior parceria de comércio e investimento que o mundo já viu, beneficiando ambas as regiões e atingindo 700 milhões de pessoas.
Um estudo publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em fevereiro deste ano indicou que o acordo traria benefícios à atividade econômica brasileira, com ganhos de investimentos e na balança comercial.
A estimativa é de que as trocas comerciais com a UE provocariam um crescimento de 0,46% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro até 2040 – o equivalente a US$ 9,3 bilhões (R$ 55,7 bilhões), a preços constantes de 2023.
O acordo pode ser assinado nesta sexta-feira?
A chegada da presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, ao Uruguai na quinta-feira (5) aumentou as expectativas de que o acordo deve ser assinado na Cúpula dos Chefes de Estado do Mercosul deste ano.
Em publicação em sua conta na rede social X, Von der Leyen chegou até mesmo a sinalizar que a conclusão do acordo Mercosul-EU “está à vista”.
"Pousamos na América Latina. A linha de chegada do acordo UE-Mercosul está à vista. Vamos trabalhar, vamos atravessá-la. Temos a oportunidade de criar um mercado de 700 milhões de pessoas", publicou.
Ainda na quinta-feira, o chanceler do Uruguai, Omar Paganini, afirmou que todos os países do Mercosul se mostraram a favor do texto, sinalizando que a confirmação oficial deve vir ainda hoje.
???? Debates e discordâncias: apesar do otimismo presente na Cúpula, a oposição de alguns países integrantes da União Europeia ainda pode atrapalhar as tratativas do texto.
A França, por exemplo, é um dos países que, há anos, tem se mostrado contra o acordo. Na quinta-feira (e em diversas outras ocasiões), o presidente francês, Emmanuel Macron, classificou o acordo como “inaceitável” em seu estado atual.
A França é um dos maiores produtores agrícolas da UE e deve ser bastante prejudicada pelo acordo, já que a América do Sul tem grandes produtores de grãos e alimentos.
“A França sempre foi contra o acordo. É o maior país agrícola da Europa e a verdade é que a produção francesa, em muitos produtos, não consegue concorrer ou não tem a mesma eficiência que o mercado brasileiro”, explicou Welber Barral, ex-secretário do comércio exterior e sócio-fundador da BMJ Consultores Associados.
Além da França, outro país que já se manifestou contra o acordo é a Polônia.
Para barrar o acordo, no entanto, a França precisa formar o que a UE chama de “minoria qualificada”, que determina que pelo menos quatro países do bloco – que, juntos, representem mais de 35% da população do bloco europeu – se oponham ao tratado.
Do lado sul-americano, o acordo também divide opiniões. Apesar do potencial de trazer benefícios para os países do Mercosul, a leitura de especialistas é que o bloco também pode sofrer com a concorrência vinda da Europa.
“O acordo comercial, qualquer que seja, precisa ser equilibrado em concessões e ganhos, e até mesmo considerar os riscos corridos por quem concede eventuais reduções”, diz o ex-ministro da Fazenda e ex-embaixador Rubens Ricupero.
A expectativa é que os setores industriais, químicos e automobilísticos do bloco sul-americano possam sentir o peso da concorrência vinda da Europa. (entenda mais baixo)
Quais são os impactos do acordo para o Brasil?
O principal efeito para o Brasil, em termos econômicos, viria dos temas que tratam do comércio de bens.
Segundo Welber Barral, apesar de o Mercosul provavelmente não conseguir a cláusula de livre-comércio total, produtos de maior peso na balança comercial entre os blocos – como carnes e alguns grãos – devem conseguir uma cota alta de exportação.
“Além disso, algumas demandas do Brasil referentes às compras governamentais ainda estavam pendentes na última rodada de negociações. [Se aprovadas, essas medidas] devem ter um grande potencial para fazer políticas públicas”, acrescenta o especialista.
A ideia é que as medidas atualizadas tragam maior flexibilidade às cláusulas do tema que, no acordo anterior, limitavam as políticas de desenvolvimento industrial do governo brasileiro .
"Esse era um ponto bastante criticado porque o acordo anterior tornava impossível reservar as licitações do governo apenas para produtores locais. É esperado que esse ponto seja atendido", diz Ricupero.
De todo modo, a leitura é que o acordo pode ter tanto efeitos positivos quanto relativamente negativos para o Brasil.
????Efeitos positivos: a facilitação do comércio e a eliminação gradual das tarifas de importação para a maioria dos produtos comercializados entre os blocos tende a aumentar o acesso do Brasil ao mercado europeu.
Segundo Barral, o acordo é bastante positivo tanto para a Europa quanto para os países do Mercosul nesse sentido, incluindo o Brasil.
“Os países do Mercosul vão ganhar mais acesso a um bloco que é um grande importador de alimentos. Isso sem contar que a Europa é um ‘mercado premium’, que tem uma exigência maior de qualidade e que também paga os melhores preços, principalmente nas importações agrícolas”, explica o especialista.
Na prática, isso poderia aumentar as oportunidades de exportação do Brasil para a Europa e possibilitar um aumento significativo de investimentos nas terras brasileiras, trazendo efeitos diretos no país.
Dados do Ipea, por exemplo, indicam que o acordo anterior poderia aumentar os investimentos no Brasil em 1,49% em comparação ao cenário sem a parceria.
Além disso, o tratado também poderia trazer um ganho de US$ 302,6 milhões (R$ 1,8 bilhão) para a balança comercial brasileira. O número é maior do que o benefício esperado para os demais países do Mercosul, de US$ 169,2 milhões (R$ 1 bilhão).
O estudo também aponta que a importação brasileira em função do acordo teria um aumento mais expressivo nos primeiros anos, chegando a um pico de US$ 12,8 bilhões (R$ 76,6 bilhões) em 2034 e desacelerando para US$ 11,3 bilhões (R$ 67,6 bilhões) até 2040.
Já as exportações tenderiam a aumentar continuamente entre 2024 e 2040, até alcançarem um ganho acumulado de US$ 11,6 bilhões (R$ 69,4 bilhões). Isso, segundo o Ipea, seria resultado de três possíveis efeitos:
A queda das tarifas de importação na UE;
O aumento das quantidades exportadas em alguns setores, em função das cotas de exportação concedidas pela UE; e
A redução do custo doméstico de insumos e de bens de capital propiciado pela queda das tarifas no país, tornando os produtos brasileiros mais baratos e competitivos no mercado internacional.
Além disso, outras áreas abordadas pelo acordo também poderiam trazer benefícios para o Brasil, como a facilitação do acesso de empresas brasileiras a serviços europeus e da participação de pequenas e médias empresas aos benefícios do acordo, por exemplo.
????Efeitos negativos: apesar do potencial de benefícios, a leitura dos especialistas é que setores específicos da economia devem sentir mais intensamente o impacto da concorrência europeia.
Enquanto o Brasil exporta muitas commodities e matérias primas para a Europa, as importações vindas dos países europeus são principalmente focadas em produtos manufaturados – o que pode pressionar a indústria brasileira.
“Se o acordo for assinado, haverá um longo prazo de implementação. Nesse meio tempo, a indústria brasileira vai ter que analisar quais são as oportunidades e quais são os riscos”, diz Barral.
Os especialistas citam como problema, por exemplo, o alto custo de logística no país. “Alguns setores vão ter que enfrentar uma concorrência maior e devem precisar aumentar eficiência, digitalização e escala para enfrentar a competitividade europeia”, completa Barral.
Ricupero reitera, no entanto, que ainda é necessária a divulgação do texto completo, atualizado com os novos termos de negociação, para uma leitura mais certeira de potenciais impactos positivos ou negativos para o país.
Quais são os próximos passos?
Apesar de a negociação do acordo ter caminhado na Cúpula dos Chefes de Estado do Mercosul desta semana, os especialistas destacam que ainda há uma série de procedimentos a serem seguidos antes de o texto entrar em vigor.
Na prática, mesmo que seja assinado nesta sexta-feira, o acordo ainda não terá efeito prático nem imediato. O texto ainda precisará passar por uma revisão jurídica e por um processo de tradução para 20 línguas diferentes.
Passados esses procedimentos, o texto precisará do aval dos parlamentos europeu dos países do Mercosul, além de ser aprovado pelo Conselho da União Europeia.
Nesse último caso, para serem as provadas, as decisões requerem a chamada “maioria qualificada” – que significa o aval de 55% dos países que compõem o grupo e que representam pelo menos 65% da população total da UE.
“Além disso, depois de o acordo entrar em vigor, ele tem um prazo de desgravação, que é o prazo no qual as alíquotas vão caindo e que pode chegar a até 15 anos. No geral, é um longo prazo de implementação”, conclui Barral.
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